Por Ana Rosa Moreno, Puebla, México, para Desacato.info.
Tradução: Elissandro dos Santos Santana, para Desacato.info.
Português/Español.
Lembram-se do filme de terror chamado Poltergeist? No qual havia atividade paranormal, a televisão engole uma menina e ao final descobrem que a casa foi construída em cima de um cemitério cujos corpos fúnebres não foram retirados? Assim está o México.
Quando a população do Estado de Guerrero começou a se organizar para procurar pelos corpos dos estudantes desaparecidos em Ayotzinapa, deram de cara com uma terrível surpresa ao encontrarem várias sepulturas repletas de cadáveres, entre outubro de 2014 e junho de 2015. Em Iguala e adjacências, encontraram 133 corpos em 63 buracos. Não foram encontrados os corpos dos meninos da Normal Isidro Burgos, porém, sim, dezenas de desconhecidos aos quais não conseguiram identificar, mas revelou um dos capítulos mais arrepiantes do filme de terror que chamamos México.
A existência das sepulturas clandestinas no México ressalta o problema da insegurança e da violência total pela qual passa o país; lembremos que em mais de uma década já foram relatados mais de 27 mil desaparecimentos, segundo a Anistia Internacional, e ainda há aqueles que podem ser encontrados em baixo da terra, vítimas que morreram nas mãos do crime organizado ou do governo, casos que ficam impunes, caravanas de famílias que buscam por seus entes desaparecidos dos quais os meios de comunicação nunca informaram nada. Os mexicanos não somente temem morrer nas mãos do crime organizado ou do governo, mas, também, temem desaparecer.
Os milhares de mortos são o resultado da violência que se desatou durante a guerra contra o narcotráfico, iniciada pelo ex-presidente Felipe Calderón Hinojosa nos últimos seis anos (2006-2012). Realmente, no México sempre existiu violência, no entanto, na última década, aumentou e segue aumentando. Um grupo de trabalho sobre os Desaparecimentos Forçados ou Involuntários, da ONU, revelou que, no México, pelo menos, 545 casos de desaparecimentos forçados ou involuntários foram relatados entre 1980 e 2015, e onde o pico mais alto de casos de desaparecimentos ocorre coincide com períodos onde o exército interveio.
A política fracassada de luta contra o narcotráfico provocou batalhas entre o exército e os cartéis e entre os cartéis, que, literalmente, varreram comunidades inteiras e fizeram do país um lugar muito mais perigoso que o Iraque em mãos do Estado Islâmico. O EI fica pequeno quando o comparamos com a violência do crime organizado no México.
Outro erro é a pouca importância que as autoridades mexicanas dão aos casos de desaparecimentos, pois milhares de mexicanos devem ficar em intermináveis esperas pelos gabinetes ou escritórios do governo em busca de respostas; devem sair às ruas para buscar por seus próprios meios aos familiares. De fato, o México não conta com uma regra geral para tratar a questão dos desaparecidos, e alguns Ministérios Públicos e a Procuradoria Geral da República (PGR) exigem a espera por 72 horas para registar uma denúncia.
Um relatório do Registo Nacional de Pessoas Desaparecidas informou que os estados que registram o maior número de pessoas desaparecidas são Guerrero, Tamaulipas e Veracruz. A maioria dos desaparecidos é jovem. 56,2% são pessoas com idade entre 20 e 49 anos e 19,5% são menores de idade (zero a 19 anos).
O Procurador-Geral da República destacou que desde 2006 a outubro de 2016 sepulturas foram encontradas em 16 estados. As sepulturas foram encontradas em Jalisco (37), Hidalgo (1), Chihuahua (83), Michoacán (4), Aguascalientes (1), Chiapas (1), Estado de México (4), Oaxaca (3), Tamaulipas (15), Ciudad de México (4), Guerrero (104), Morelos (11), Sonora (3), Nuevo León (1), Durango (7) e Veracruz (32). Um total de 201 sepulturas e 662 cadáveres (apenas conseguiram identificar 18% dos corpos e 57% de um total de 380 corpos, pelo estado de deterioração, constituem uma dificuldade para a identificação do sexo)
“México tem um grave problema de enterro clandestino, fruto dessa luta irracional entre diferentes organizações dedicadas ao crime em nosso país, e que, infelizmente, onde as autoridades recebem informações anônimas de que há enterros, encontram-se sepulturas ilegais, com relação direta ao crime organizado”, assinala Gabriel Regino García, advogado penal.
Descobrimento de sepulturas clandestinas no México
De abril de 2011 a julho de 2012: em Durango, foram enterrados, clandestinamente, em oito sepulturas, 350 corpos. O local onde foram encontrados restos humanos era uma área em que ” los Zetas” mantinham o controle.
Abril de 2011: em San Fernando, Tamaulipas, foram encontrados 193 corpos em 40 sepulturas clandestinas. Um ano antes, em agosto de 2010, nesse mesmo lugar, foram encontradas 72 pessoas executadas em um porão. As autoridades informaram que as pessoas que viajavam de ônibus, e foram sequestradas por integrantes de “los Zetas”, a maiorias das vítimas morreu a golpes.
Maio de 2012: em Cadereyta, Nuevo León, encontram 49 restos humanos em um buraco. Esta entidade se transformou em uma zona de guerra entre “los Zetas” e o Cartel do Golfo nos últimos dois anos do presidente Felipe Calderón.
Novembro de 2013: no município de La Barca, Jalisco, até janeiro deste ano, um total de 74 corpos foram exumados em mais de 35 valas comuns. As autoridades identificaram como possíveis autores a “los Caballeros Templarios” ou ao “Cártel Jalisco Nueva Generación (CJNG)”.
Junho de 2014: em um rancho em Cosamaloapan, Veracruz, foram recuperados 30 corpos de 13 valas comuns, um estado que está sob o domínio dos “los Zetas”, onde esta organização controlava a transferência de drogas pelo Golfo do México e diversificou a sua ação criminosa com o sequestro de migrantes.
Julho de 2015: em Iguala, Guerrero, descobriram 60 sepulturas clandestinas com 129 cadáveres, dos quais 92 são de homens e 22 de mulheres e os 15 corpos restantes estão submetidos ainda ao processo de análise, com o objetivo de determinar o sexo. Estes descobrimentos resultam das investigações pelos desaparecimentos dos 43 jovens normalistas de Ayotzinapa, ocorrido em 26 de setembro de 2014.
Além das sepulturas clandestinas, também foram encontradas as chamadas “cozinhas”, principalmente, no norte do país. São lugares descampados nos quais se chegam a localizar uma grande quantidade de caixas d’água com uma, duas ou até três pessoas dissolvidas em ácido ou em alguma química potente, nos quais, geralmente, somente conseguem resgatar os dentes.
Lamentavelmente, se seguem encontrando mais valas comuns, mais porões e mais caixas d’água com restos humanos. México, um país lindo e surreal se transformou em um cemitério onde os mexicanos são os mais afetados, os possíveis candidatos para terminarem em uma dessas valas comuns e as autoridades se escondem por trás da figura de um bonito presidente que não oferece soluções, nem, muito menos, justiça.
México, el país de las fosas clandestinas
Por Ana Rosa Moreno, Puebla, México, para Desacato.info.
¿Recuerdan esa película de terror llamada Poltergeist? ¿Donde había actividad paranormal, la televisión se traga a una niñita y al final descubren que la casa fue construida sobre un cementerio cuyos cuerpos fúnebres no fueron retirados? Algo así es México.
Cuando la población del Estado de Guerrero se empezó a organizar para buscar los cuerpos de los normalistas desaparecidos de Ayotzinapa, se encontraron con la terrorífica sorpresa de localizar varias fosas llena de cadáveres, entre octubre de 2014 y junio de 2015, en Iguala y sus alrededores se encontraron 133 cuerpos en 63 fosas. No se encontraron los cuerpos de los chicos de la Normal Isidro Burgos, pero sí, a decenas de desconocidos a los cuales no se les ha identificado, aunque sí dejó en descubierto uno de los capítulos más escalofriantes de esta película de terror que llamamos México.
La existencia de las fosas clandestinas en México resalta el problema de inseguridad y de violencia total que se vive en el país. Recordemos que en más de una década se han reportado más 27 mil desaparecidos, según Amnistía Internacional, que podrían encontrarse aún bajo tierra, víctimas que murieron a manos del crimen organizado o del gobierno; casos que quedan impunes, caravanas de familias que buscan a sus desaparecidos y de los cuales nunca se mencionan en los medios de comunicación. Los mexicanos no sólo temen morir a manos del crimen organizado o del gobierno, pero, también, temen a ser desaparecidos.
Los miles de muertos son el resultado de la violencia que se ha desatado durante la guerra contra el narco iniciada por el expresidente Felipe Calderón Hinojosa en el sexenio pasado (2006 – 2012). Realmente, en México siempre ha existido violencia, solo que en la última década ha exagerado y sí que ha exagerado. Un grupo de trabajo sobre Desapariciones Forzadas o Involuntarias de la Organización de la ONU reveló que en México se reportaron al menos 545 casos de desapariciones forzadas o involuntarias entre 1980 y 2015 y, donde se presenta el mayor pico de casos de desapariciones, coincide con los periodos donde el ejército ha intervenido.
La fallida política de lucha contra el narco ha desatado batallas campales entre el ejército y los carteles y entre los carteles que, literalmente, han barrido con comunidades enteras y han hecho del país un lugar mucho más peligroso que Iraq a manos del Estado Islámico. El EI se queda corto si los comparamos con la violencia del crimen organizado.
Otro error es la poca importancia que las autoridades mexicanas les dan a los casos de desapariciones. Miles de mexicanos deben realizar interminables esperas en procuradurías o en fiscalías en busca de respuestas; deben salir a calles a buscar por sus propios medios a sus familiares. De hecho, México no cuenta con una regla general para tratar el tema de los desaparecidos, y algunos ministerios públicos y la Procuraduría General de la República (PGR) exigen esperar 72 horas para registrar una denuncia.
Un informe realizado por el Registro Nacional de Personas Desaparecidas reportó que los estados que registran mayor cantidad de personas extraviadas son Guerrero, Tamaulipas y Veracruz. La mayor parte de los desaparecidos son jóvenes. 56.2% corresponde a personas de entre los 20 a los 49 años y el 19.5 % corresponde a menores de edad (de cero a 19 años).
La Procuraduría General de la República ha destacado que desde el 2006 hasta octubre del 2016 se han encontrado fosas en 16 entidades federativas, Las fosas se localizaron en Jalisco (37), Hidalgo (1), Chihuahua (83), Michoacán (4), Aguascalientes (1), Chiapas (1), Estado de México (4), Oaxaca (3), Tamaulipas (15), Ciudad de México (4), Guerrero (104), Morelos (11), Sonora (3), Nuevo León (1), Durango (7) y Veracruz (32). Un total de 201 fosas y 662 cadáveres (solo se logró la identificación del 18% de los cuerpos y el 57% un total del 380 cuerpos por su estado en descomposición ha dificultado la identificación de su sexo).
“México tiene un grave problema de inhumación clandestina derivado de esta irracional lucha entre diferentes organizaciones dedicadas al crimen en nuestro país, y que, desgraciadamente, donde las autoridades reciben informaciones anónimas de que hay entierros, se encuentran con fosas ilegales, que tiene que ver con el tema del crimen organizado”,
señala Gabriel Regino García, abogado penalista.
Descubrimiento de fosas clandestinas en México
De abril de 2011 a julio 2012: en Durango, fueron inhumados de forma clandestina en ocho tumbas 350 cuerpos. El lugar donde fueron hallados los restos humanos era una zona en la que “los Zetas” mantenían el control.
Abril de 2011: en San Fernando, Tamaulipas, fueron encontrados 193 cuerpos en 40 fosas clandestinas. Un año antes, en agosto de 2010, en ese mismo lugar, fueron encontradas 72 personas ejecutadas en una bodega. Las autoridades informaron que las personas que viajaban en autobús y fueron secuestradas por integrantes de “los Zetas”, mayoría de las víctimas, murieron a golpes.
Mayo de 2012: en Cadereyta, Nuevo León, hallan 49 restos humanos en una fosa. Esta entidad se convirtió en zona de guerra entre “los Zetas” y el Cártel del Golfo en los dos últimos años del gobierno de Felipe Calderón.
Noviembre de 2013: en el municipio de La Barca, Jalisco, hasta enero de este año, un total de 74 cuerpos fueron exhumados en más de 35 fosas clandestinas. Las autoridades señalaron como los posibles autores a “los Caballeros Templarios” o al Cártel Jalisco Nueva Generación (CJNG).
Junio de 2014: en un rancho en Cosamaloapan, Veracruz, fueron recuperados 30 cadáveres de 13 fosas, un estado que se considera bajo el dominio de “los Zetas”, donde esta organización controlaban el traslado de droga por el Golfo de México y diversificaron su acción criminal con el secuestro de migrantes.
Julio de 2015: en Iguala, Guerrero, descubren 60 fosas clandestinas con 129 cadáveres, de los cuales 92 son de hombres y 22 de mujeres y los restantes 15 cuerpos son sometidos aún al proceso de análisis con el objetivo de determinar su sexo. Estos descubrimientos son derivados de las investigaciones por la desaparición de los 43 jóvenes normalistas de Ayotzinapa, ocurrida el 26 de septiembre de 2014.
Además de las fosas clandestinas, también se encuentran las llamadas “cocinas” y se han encontrado principalmente en el norte del país. Son lugares descampados donde se llegan a localizar una gran cantidad de tambos o tinacos con una, dos o hasta tres personas disueltas en ácido o algún químico potente; generalmente solo se logran rescatar los dientes.
Lamentablemente, se siguen encontrando más fosas, más bodegas, más tinacos con restos humanos. México, un país hermoso y surreal, se ha convertido en un cementerio donde los mexicanos son los más afectados y los posibles candidatos para terminar en una de esas fosas. Las autoridades se escudan en la figura de un guapo presidente que no ofrece soluciones, ni mucho menos justicia.
Publicado na Desacato
Perdão, vida de minha vida, perdão se é que falhei com você. Peña Nieto se desculpa.
Por Ana Rosa Moreno, Puebla, México, para Desacato.info.
Tradução: Elissandro dos Santos Santana.
(Português/Español).
Na semana passada, o cinismo e o descaramento saíram da boca de nosso excelentíssimo e bonito presidente da República Mexicana, já que pediu perdão por toda a raiva e indignação que sentiram os mexicanos pela compra da famosa Casa Branca, e que essa negatividade afetou-lhe a credibilidade do governo, à sua pessoa e à sua família.
O ponto aqui é que não é a casa o que há provocado a rejeição à administração do tão ilustre presidente, mas sim, é o partido que representa, suas reformas estruturais, a maneira com que dialoga com os dissidentes (a contrariedades), sua inaptidão ao deixar impunes casos como Ayotzinapa, Noxchitlan, Atenco, etc. E na maneira que vai de viagem e volta (some/foge) a cada vez que o povo mexicano se manifesta. Um perdão e uma carinha de “Já não voltarei a fazer” não resolvem nada. Falemos da casa branca.
A primeira vez que se teve conhecimento acerca da desventurada casa foi em maio de 2013, quando a já primeira dama, Angélica Rivera de Peña (ex-atriz de novelas), apresentava a residência a uma conhecida revista social por nome “Hola”, localizada na altura de Chapultepec, na Cidade do México. Mostraram fotografias de onde foi possível apreciar as dimensões e os luxos do imóvel e ela assegurou que é ai onde vive com sua família presidencial.
Em novembro de 2014, a jornalista mexicana Carmen Aristegui em seu noticiário dentro do MVS rádio, apresentou uma reportagem na qual mostrou o preço da residência e trouxe ao conhecimento de todos os detalhes obscuros que não desvelou a revista Hola.
A Casa Branca (nomeada assim por ser uma casa-habitação totalmente branca) localizada na Sierra Gorda 150, nas Lomas, tem um valor aproximado de 86 milhões de pesos. Está resguardada pelo Estado Grande Presidencial. O presidente Enrique Peña Nieto e sua esposa conversaram, pessoalmente, com o arquiteto que desenhou a residência, para que o imóvel se adequasse às necessidades da família presidencial. O desenho da residência esteve a cargo do arquiteto mexicano Miguel Ángel Aragonés e suas fotos ainda estão disponíveis em www.aragones.com.mx, com o título “Casa la Palma”. A residência não está registrada em nome do presidente Enrique Peña Nieto, tampouco no nome de Angélica Rivera, nem no nome dos filhos, porém, sim, está em nome da empresa Engenharia Imobiliária do Centro, empresa pertencente ao Grupo Higa.
O Grupo Higa teve licitações e contratos milionários em obras públicas durante a administração de Peña Nieto como governador do Estado do México antes de ser presidente da República. Ademais, o Grupo Higa é uma das empresas que havia ganhado a licitação do trem México-Querétaro e, atualmente, tem 22 contratos com o governo federal. A reportagem que apresentou Aristegui, com a revelação de um conflito de interesses que a empresa chinesa Railway Construction Corporation, propriedade do governo chinês que participaria da construção do trem México-Querétaro, abandonou o projeto.
Uma reação natural nos humanos ao ver como o investimento do Estado é empregado em uma casa luxuosa no lugar de programas sociais é a raiva e, obviamente, vai pedir rendição de contas, se questiona de onde saíram os fundos para pagar a conta da dita casa. As redes sociais ficaram apreendidas como uma gaveta de pólvora repleta de foguetes prontos para explodirem. Imediatamente, a Presidência da República emitiu um comunicado no qual se confirmou que a casa, sim, estava ocupada pela família presidencial, e que se mantém em nome da imobiliária porque foi comprada a prazo e não pode se escriturada até que se pague a soma total.
A honorável e respeitável primeira dama declarou em um vídeo que ela tem a capacidade para adquirir um imóvel dessa magnitude, já que sua notável carreira na televisão, mais os anúncios que realizou para o governo lhe dão a capacidade de pagar o imóvel.
“Eu não quero que isso siga sendo um pretexto para ofender e difamar a minha família. Hoje, estou aqui para defender minha integridade, a de meus filhos e a de meu esposo… Eu não posso permitir que este tema ponha em dúvida minha honorabilidade e que se pretenda prejudicar a minha família”, acrescentou Angélica Rivera.
A primeira dama disse que em 2010, o último ano em que trabalhou para a empresa Televisa San Ángel, declarou à Fazenda um ganho anual de 131 milhões de pesos e que pagou 30 milhões de impostos e que esse dinheiro foi obtido graças à sua trajetória como atriz de novela, de onde não há tido mais de dois papeis como protagonista.
A empresa Televisa saiu em sua defesa e informou a CNN México que atrizes, atores e todo o pessoal criativo (escritores, produtores e diretores) que trabalham dentro da empresa têm direito de adquirir um imóvel como parte de seu contrato, como parte de suas prestações de serviço e que a casa a deram ao terminar sua última novela, 17 dias após seu casamento com o atual presidente.
Ademais, foi reestabelecida a Secretaria da Função Pública, secretaria que nos últimos seis anos esteve fechada, por ser um gasto desnecessário, juntamente com a Secretaria do Turismo e de Reforma Agrária. O Presidente da República lhe deu o cargo a Virgílio Andrade e ele apresentou um comunicado no qual demonstrou que não havia um conflito de interesses entre o Grupo Higa e a presidência porque a casa foi adquirida antes que Peña assumisse a presidência e porque o imóvel não está em seu nome. Era óbvio que não ia queimar seu chefe.
Uma notícia de tal magnitude, em outro país, possibilitaria que os envolvidos deixassem o cargo e que fossem processados por enriquecimento ilícito, conflito de interesses, corrupção, porém, no México, os únicos demitidos foram os repórteres que fizeram a investigação sobre a Casa Branca. Esclareço, a demissão de Carmen Aristegui não é pela reportagem da Casa Branca, pois isto se deu porque quando saiu a plataforma Mexileaks, algo parecido com Wikileaks, a jornalista deu seu apoio e comprometeu a empresa MVS Radio, e isso não agradou os executivos da empresa de rádio, que preferiram resolver o problema e absterem-se dos serviços de Carmen Aristegui.
Desde 2014 até a atualidade, já não se ouvia comentários sobre o assunto da Casa Branca, até que, na semana passada, tomando-se como contexto a promulgação da Lei Anticorrupção, nosso honorável presidente, em um ato de humildade e com o coração na mão, dirigiu-se aos mexicanos e pediu perdão.
“Reafirmo que os servidores públicos, além de serem responsáveis por atuar conforme a legislação e com total integridade, também somos responsáveis pela percepção que provocamos com o que fazemos, e nisso reconheço que cometi um equívoco. Não obstante, este erro afetou a minha família, feriu o caráter presidencial e prejudicou a confiança no governo. Na própria pele, senti a irritação dos mexicanos. Entendo isso perfeitamente, por isso, com toda humildade, lhes peço perdão”. Expressou o presidente.
Um dia depois de Peña oferecer suas desculpas, a Presidência da República emitiu um comunicado no qual esclareceu que a construtora devolveu os pagamentos totais efetuados no dia 12 de janeiro de 2012 e no dia 11 de dezembro de 2014, mais os importes respectivos e, por consequência, desvincula Angélica Rivera de toda conexão com a propriedade. Não houve penalidades econômicas por não cumprimento do acordo.
Entre encobrimentos, bastidores e palavras bonitas, nós mexicanos acreditamos que pedir perdão não repara o prejuízo, uma desculpa sincera deve vim acompanhada de ações concretas, algumas ações poderiam ser: já que se devolveu o dinheiro, que o apliquem em programas sociais, para o setor de saúde e de educação, eliminar as reformas estruturais via decreto presidencial, esclarecer o caso Ayotzinapa, justiça para Atenco e Noxchitlán, não sei, há muito que se fazer aqui no México.
Perdón vida de mi vida, perdón si es que te he fallado. Peña Nieto se disculpa.
Por Ana Rosa Moreno, Puebla, México, para Desacato.info.
La semana pasada el cinismo y el descaro salieron de la boca de nuestro excelentísimo y guapo presidente de la república mexicana, ya que pidió perdón por todo el enojo e indignación que sintieron los mexicanos por la compra de la famosa Casa Blanca, y que esa negatividad le afectó a la credibilidad del gobierno, a su persona y a su familia.
El punto aquí es que no es la casa lo que ha generado el rechazo a la administración de tan ilustre presidente, más bien, es el partido que representa, sus reformas estructurales, la manera en que dialoga con los disidentes (a macanazos), su ineptitud al dejar impunes casos como Ayotzinapa, Noxchitlán, Atenco, etc. Y en la manera en que se va de gira (huye) cada vez que el pueblo mexicano se manifiesta. Un perdón y una carita de “ya no lo vuelvo hacer”, no resuelven nada. Hablemos de la casa blanca.
La primera vez que se tuvo conocimiento acerca de la dichosa casa fue en mayo del 2013, cuando la ya primera dama, Angélica Rivera de Peña (ex actriz de telenovelas), presentaba la residencia a una famosa revista de sociales de nombre “Hola”, ubicada en las Lomas de Chapultepec en la ciudad de México. Se mostraron fotografías donde se podía apreciar las dimensiones y los lujos del inmueble y ella aseguró que es ahí donde vive con su familia presidencial. Un dato es que todos los ejecutivos federales deben habitar Los Pinos, la residencia oficial.
En noviembre del 2014, la periodista mexicana Carmen Aristegui, en su noticiero dentro de MVS Radio, presentó un reportaje donde mostró el precio de la residencia y dio a la luz detalles oscuros que no develó la revista Hola.
La Casa Blanca (nombrada así por ser una casa-habitación totalmente blanca) ubicada en Sierra Gorda 150 en las Lomas tiene un valor aproximado de 86 millones de pesos. Está resguardada por el Estado Mayor Presidencial. El presidente Enrique Peña Nieto y su esposa participaron, personalmente, con el arquitecto que diseñó la residencia, para que el inmueble se adecuara a las necesidades de la familia presidencial. El diseño de la residencia estuvo a cargo del arquitecto mexicano Miguel Ángel Aragonés y sus fotos aún se exhiben en www.aragones.com.mx, con el título “Casa La Palma”. La residencia no está registrada a nombre del presidente Enrique Peña Nieto, tampoco al de Angélica Rivera ni a los de sus hijos, pero sí está a nombre de la empresa Ingeniería Inmobiliaria del Centro, empresa perteneciente al Grupo Higa.
Grupo Higa ha tenido las licitaciones y contratos millonarios en obras públicas durante la administración de Peña Nieto como gobernador del Estado de México antes de ser presidente de la república. Además, Grupo Higa es una de las empresas que había ganado la licitación del tren México-Querétaro y actualmente tiene 22 contratos con el gobierno federal. El reportaje que presentó Aristegui más la revelación de un conflicto de intereses ocasionó que la empresa China Railway Construction Corporation, propiedad del gobierno chino, que participaría en la construcción del tren México-Querétaro, abandonara el proyecto.
Una reacción natural en los humanos al ver cómo el presupuesto del Estado se ocupa en una casa súper lujosa en lugar de programas sociales es el enojo y obviamente vas a pedir rendición de cuentas. Se cuestiona de dónde salieron los fondos para solventar dicha casa. Las redes sociales se prendieron como pólvora directo al cajón lleno de cohetes listos para estallar. Inmediatamente la Presidencia de la República emitió un comunicado en el que se confirmó que la casa sí está habitada por la familia presidencial, y que se mantiene a nombre de la inmobiliaria, porque ha sido comprada a plazos y no puede ser escriturada hasta que se cubra el monto total.
La honorable y respetable primera dama declaró en un video que ella tiene la capacidad para adquirir un inmueble de esa magnitud ya que su notable carrera en la televisión, más los spots que realizó para el gobierno, le dan la solvencia para su compra.
“Yo no quiero que esto siga siendo un pretexto para ofender y difamar a mi familia. Hoy estoy aquí para defender mi integridad, la de mis hijos y la de mi esposo… Yo no puedo permitir que este tema ponga en duda mi honorabilidad y que se pretenda dañar a mi familia”, agrego Angélica Rivera.
La primera dama señaló que en el 2010, el último año que trabajó para la empresa de Televisa San Ángel declaró a Hacienda un ingreso anual de 131 millones de pesos y pagó 30 millones de impuestos. Ese dinero ha sido generado gracias a su gran trayectoria como actriz de telenovela donde no ha tenido más de dos protagónicos. La empresa Televisa salió a su defensa e informó a CNNMéxico que actrices, actores y todo el personal creativo (escritores, productores y directores) que laboran dentro de la empresa tienen derecho a adquirir un inmueble como parte de su contrato, algo así como parte de sus prestaciones laborales y que la casa se la dieron al terminar su última novela, 17 días después de que Angélica Rivera se casara con el actual presidente.
Además, se revivió a la Secretaría de la Función Pública, secretaria que en el sexenio pasado se eliminó por ser un gasto innecesario junto con la Secretaría de Turismo y la de Reforma Agraria. El presidente de la república le dio el cargo a Virgilio Andrade y él presentó un informe donde demostró que no había un conflicto de intereses entre el Grupo Higa y la presidencia, porque la casa se adquirió antes de que Peña Nieto asumiera la presidencia y porque el inmueble no está a su nombre. Era obvio que no iba a quemar a su jefe.
Una noticia de tal magnitud en otro país hubiera generado que los implicados dejaran el cargo y que fueran procesados por enriquecimiento ilícito, conflicto de intereses, corrupción, qué sé yo, pero en México los únicos despedidos fueron los reporteros que hicieron la investigación de la Casa Blanca. Aclaro, el despido y demanda a Carmen Aristegui no es por el reportaje de la Clasa Blanca, esto se dio porque cuando salió la plataforma Mexileaks algo así como Wikileaks, la periodista Aristegui dio su apoyo y comprometió a la empresa MVS Radio. Esto no le gustó a los ejecutivos de la empresa de radio y prefirieron deslindarse y prescindir de los servicios de Carmen Aristegui.
Desde el 2014 a la actualidad ya no se había hablado del asunto de la Casa Blanca, hasta que la semana pasada, tomando como contexto la promulgación de la Ley Anticorrupción, nuestro honorable presidente, en un acto de humildad y con el corazón en la mano, se dirigió a los mexicanos y pidió perdón.
“Me reafirmo que los servidores públicos, además de ser responsables de actuar conforme a derecho y con total integridad, también somos responsables de la percepción que generamos con lo que hacemos, y en esto reconozco que cometí un error. No obstante que me conduje conforme a la ley, este error afectó a mi familia, lastimó la investidura presidencial y dañó la confianza en el gobierno. En carne propia sentí la irritación de los mexicanos. La entiendo perfectamente, por eso, con toda humildad, les pido perdón”, expresó el Presidente.
Un día después de que Peña Nieto ofreciera sus disculpas, la Presidencia de la República emitió un informe donde aclaró que la constructora devolvió los pagos íntegros realizados entre el 12 de enero de 2012 y el 11 de diciembre de 2014, más los intereses respectivos y por consecuencia se deslindaba a Angélica Rivera de todo nexo con la propiedad. No hubo penalizaciones económicas por incumplimiento del acuerdo.
Entre tapaderas, alcahuetes y palabras bonitas, los mexicanos creemos que pedir perdón no repara el daño; una disculpa sincera debe venir acompañada de acciones concretas, algunas acciones podría ser: ya que se devolvió el dinero que lo ocupen para programas sociales, para el sector salud y educativo, para tumbar la reformas estructurales vía decreto presidencial, esclarecer el caso Ayotzinapa, justicia para Atenco y Noxchitlán, no sé, hay mucho por lo que trabajar aquí en México.
A lógica capital predatória inviabilizará o turismo em Porto Seguro
Por Elissandro dos Santos Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.
A lógica do capital que prevalece nas práticas do turismo em Porto Seguro inviabilizará a continuidade da atividade na região e isso não demorará muito, basta analisar o quadro de estresse ambiental pelo qual passa o município. A possível inviabilização do turismo na cidade é, no mínimo, preocupante, dado que ele é o principal eixo na matriz de produção de geração de emprego e renda para a população.
A cada ano, o fluxo turístico aumenta e, consequentemente, crescem as pegadas ecológicas das atividades turísticas na cidade. Atualmente, por conta do turismo insustentável, um dos mais graves problemas é a especulação imobiliária, pois tal fator tem contribuído para o crescimento horizontal acelerado, com a ocupação de espaços naturais e desencadeamento de estresses na fauna e na flora. Além disso, o crescimento urbanístico, a partir dos muitos condomínios em construção na cidade, tem alcançado áreas próximas a aldeias e reservas indígenas, e isso acarreta algum tipo de prejuízo que, na conjuntura atual, a partir da semântica equivocada de progresso como crescimento da cidade, todavia, em um primeiro momento não fica muito evidente, pelo menos, não para a sociedade como um todo.
A urbanização tem se dado de forma rápida, fator que impressiona, dado que os licenciamentos ambientais, geralmente, demandam tempo, mas, em decorrência da velocidade com que a cidade cresce, parece que eles se dão na mesma rapidez com que a mancha urbana se alarga. Essa rapidez ocorre devido à eficiência, competência e comprometimento dos órgãos ambientais? Essa é uma pergunta que toda a sociedade deveria fazer.
Em Porto Seguro, o turismo insustentável vende a imagem da cidade-paraíso, um pacote-objeto a ser consumido e isso interfere, diretamente, no crescimento urbanístico. Essa urbanização, muitas vezes, ocorre por meio da especulação imobiliária que destrói áreas verdes a olho nu.
O incrível é que, geralmente, nos imaginários societários porto segurenses fica a noção de que os principais agentes de destruição ambiental no que tange ao crescimento urbanístico seriam os pobres, mas isso é falacioso, dado que uma observação atenta a partir de imagens de satélite, por meio do Google Earth, prova que os grandes condomínios são os que mais estão ocupando espaço no município.
No artigo “Sugestão de pesquisa em torno das ações insustentáveis e déficits socioambientais no turismo de Porto Seguro–Bahia”, publicado na Revista Letrando, apresento alguns roteiros da cidade que sofrem algum tipo de impacto por conta do turismo. “Há pontos estratégicos para o turismo na cidade. Começando pelo centro, há a Passarela do Álcool, onde, diariamente, são armadas barracas para vendas de alimentos, bebidas e artesanatos locais, com a circulação de milhares de pessoas. Esse ponto turístico também é o local para a realização das festas mais importantes da cidade, com bandas e circulação de trios elétricos. O problema é que essa parte está localizada às margens do Rio Buranhém, que desagua no mar, e, após as festividades, são visíveis os impactos ambientais com a presença de resíduos sólidos como garrafas plásticas, de vidro e de metal no leito do rio. Na Orla Norte há grandes empreendimentos como barracas e hotéis com festas na praia, em que é possível verificar o acúmulo de resíduos sólidos e líquidos. Além desses problemas, vários rios e riachos desse perímetro estão contaminados com o despejo de esgotos e outros resíduos. Para piorar a situação, novos empreendimentos e condomínios são construídos nessa parte da orla a cada ano. Do centro de Porto Seguro para o Arraial d’Ajuda (outro ponto muito importante para o turismo) há a travessia de balsa pelo Rio Buranhém e tais embarcações são abastecidas às margens do próprio rio, o que demanda cuidado e política sólida de fiscalização ambiental, pois há o risco de contaminação da água com o vazamento de óleo. Do outro lado, há engarrafamentos na Estrada do Arraial até o Centro do Distrito e isso provoca, além dos ruídos que perturbam aves e outros animais da fauna local, poluição com o lançamento de CO2. Saindo do Arraial, há o turismo ainda mais luxuoso no Distrito de Trancoso e, nesse espaço, a natureza passa por um acelerado processo de desgaste, em que grandes hotéis são construídos e o distrito, por conta do sucesso econômico advindo do turismo, atrai um contingente de pessoas de outras partes do município e de outras cidades da região, ocasionando o crescimento urbano e populacional desordenado com o surgimento de bairros sem condições sanitário-ambientais.”.
No mesmo artigo acima, pontuo que o turismo é uma atividade que possibilita o trânsito de pessoas, de cultura, de saberes e de geração de riquezas, por isso, conforme Coriolano, Leitão e Vasconcelos (2009, p. 29): “é um campo afeito a tensões e antinomias.” Essas tensões e antinomias, segundo os autores mencionados, encontram explicação no fato de que as imagens do turismo consolidadas ao longo do século XX produziram signos e símbolos impregnados de significados simultaneamente criativos e destrutivos. Tais antinomias são frutos, em parte, da própria complexidade das atividades turísticas, pois, segundo Ricco (2012, p. 167) o turismo: “(…) é um fenômeno extremamente complexo, dinâmico, que opera de múltiplas formas e nas mais diversas circunstâncias, sendo difícil apreendê-lo em sua totalidade por meio de uma única perspectiva teórica ou mesmo de uma única ciência.”.
Para tentar compreender parte dessas tensões, é oportuno recorrer ao que afirmo no artigo “Ações insustentáveis no turismo de Porto Seguro-Bahia”, quando elucido, em parte, porque o turismo ocorre em vias insustentáveis na região, quando pontuo o seguinte: “(…) frente às condições socioeconômicas frágeis, os atores sociais envolvidos com o turismo desenvolveram práticas exploratórias do capital natural e essa concepção também aparece no discurso do turista que concebe a região como pacote-objeto a ser consumido. A partir do consumo/exploração, o que deveria ser espaço de troca cultural, histórica e convivência com a natureza, converte-se em relações depredatórias que vão desde a poluição de praias e rios com resíduos sólidos, à depredação de recifes em decorrência da presença não controlada de pessoas nessas áreas de ampla biodiversidade marinha, à irresponsabilidade de gestores públicos em relação a políticas de educação ambiental, além da ausência da aplicação de legislação ambiental, planejamento e zoneamento ambiental para a cidade.
No artigo “Caminhos possíveis para um turismo sustentável em Porto Seguro”, afirmo que a lógica de exploração do turismo na cidade de Porto Seguro coaduna com a visão do capitalismo exploratório, onde prevalece a concorrência com foco somente no lucro. E, para mostrar os pontos negativos de um turismo que se ancora nas vertentes capitalistas, recorro a Boff (2014, p. 34) quando este autor externa o seguinte: “É notório que o sistema capitalista imperante no mundo é consumista, visceralmente egoísta e depredador da natureza. Está levando toda a humanidade a um impasse, pois criou uma dupla injustiça: a ecológica, por estar devastando a natureza, e outra social, por gerar imensa desigualdade social.”.
O capitalismo, distante de uma preocupação social, visando somente à pecúnia lucrativa, tem contribuído para o esgotamento dos recursos naturais na cidade. Esse esgotamento, em pouco tempo, inviabilizará as atividades turísticas nas áreas do município, pois o turista que chega a Porto Seguro vem em busca justamente das belezas e atrativos ambientais que a região oferece e, na ausência desse capital natural, não teremos mais o turista, já que esse é o elemento principal de atração do visitante.
Como pontua Boff, o capitalismo consumista, além das injustiças sociais, também provoca a injustiça ecológica e isso se manifesta de várias formas. Nesse sentido, é possível concatenar o que afirma o autor supracitado com as injustiças ambientais na cidade. Os déficits ambientais em decorrência do turismo, direta, ou, indiretamente, já são perceptíveis em várias partes do município. Como exemplo, cito a morte da Lagoa Azul. No mesmo artigo apresentado acima, discorri sobre a destruição desse espaço natural em decorrência das práticas insustentáveis do turismo, pontuando o seguinte: “no sentido Arraial d’Ajuda-Trancoso, em um passado não muito distante, havia um espaço conhecido por/como Lagoa Azul que, por conta de ações insustentáveis no turismo, seja com a entrada sem controle de visitantes, seja pela retirada da cobertura vegetal que se localizava próximo às falésias, em especial, na parte de cima, ou pela construção civil, houve a morte desse ambiente natural. No referido espaço, os turistas, além de todos os encantos naturais do local, banhavam-se e se lambuzavam na argila, tida por especialistas e moradores da região, como medicinal. Com o extermínio da lagoa, ficou uma lacuna, um déficit em relação a espaços de exploração do turismo na cidade.”.
A Lagoa Azul é só um entre tantos exemplos que corroboram como o turismo de Porto Seguro, infelizmente, ainda está alicerçado na vertente positivista de concepção de subjugação da natureza. No entanto, outro turismo é possível, arvorado nos princípios da sustentabilidade, com o uso dos espaços a partir do princípio do cuidado e da utilização responsável.
Por último, para explicar a necessidade de outra lógica econômica para o turismo na cidade, ainda no artigo “Ações insustentáveis no turismo de Porto Seguro”, afirmo que é possível outra lógica econômica para a utilização dos espaços naturais no turismo na região quando mencionei que para a compreensão da complexidade das atividades turísticas na cidade, faz-se necessário entender as consequências das ações antrópicas em ambientes diversos em Porto Seguro, levando-se em consideração que elas ocorrem em áreas marinhas, lacustres e ecossistemas em geral. No que concerne à relação economia e meio ambiente, já que o turismo de Porto Seguro ocorre a partir desses dois pilares, é importante recorrer ao que afirma Braga et al. (2002, p. 226): A Economia ecológica constituiu uma reação àquilo que considera como insuficiência dos princípios-base da economia tradicional, em face da natureza dos processos ecológicos nos ecossistemas e na biosfera, que são determinantes do equilíbrio e da qualidade do ambiente. Na sua visão, a economia deve ser entendida como um subsistema (o subsistema econômico) originado da atividade humana, mas subordinado às leis fundamentais que regem os ecossistemas da biosfera.
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Referências bibliográficas
SANTANA, Elissandro dos Santos. Sugestão de pesquisa em torno das ações insustentáveis e déficits socioambientais no turismo de Porto Seguro-Bahia. Paripiranga: Revista Letrando ISSN 2317-0735, 2016.
Ações insustentáveis no Turismo de Porto Seguro Bahia, artigo de Elissandro dos Santos Santana. Revista Ecodebate.
BOFF, Leonardo. A grande transformação: na economia, na política e na ecologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
Caminhos possíveis para um turismo sustentável em Porto Seguro, Bahia, artigo de Elissandro dos Santos Santana. Revista Ecodebate.
BRAGA, B. et al. Introdução à engenharia ambiental: o desafio do desenvolvimento sustentável. São Paulo: Pratice Hall, 2002.
CORIOLANO, Luzia Neide M. T., LEITÃO, Cláudia S. e VASCONCELOS, Fábio P. Turismo, cultura e desenvolvimento na escala humana. In: CORRÊA, Maria Laetitia; PIMENTA, Solange Maria; ARNDT, Jorge Renato Lacerda. Turismo, sustentabilidade e meio ambiente. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.
Resenha de “A obra do artista: uma visão holística do Universo” de Frei Betto
Por Elissandro dos Santos Santana1,Denys Henrique R. Câmara2,Heron Duarte Almeida3e Rosana dos Santos Santana4.
À primeira vista, “A obra do artista: uma visão holística do Universo”parece um chamariz para uma discussão somente na vertente mística ou religiosa, no entanto, à medida que o leitor folheia a obra, torna-se cônscio de que o autor, holisticamente, provoca intelecções em campos amplos que vão desde conceitos místico-religiosos, à Física Clássica, à Física Quântica, à História, à Geografia, à Filosofia, à Ciência Ambiental e a várias áreas do conhecimento que apresentam explicação para a origem, para a composição e para conformação da criação, do cosmos, do Universo e da vida em geral. Nesta obra, segundo Marcelo Gleiser, Frei Betto confronta, a partir da Teoria da complexidade, visões da totalidade pelas partes e, das partes pelo todo e os mistérios em torno da existência, mostrando como o homem se vê nesse processo e como cria como artista, cientista, pai, mãe e cidadão os imaginários e concepções sobre o cosmos do qual faz parte. A cada página do livro, o autor se esforça por apresentar/encontrar respostas, por gerar dúvidas e inquietar o ser humano, levando-o a coparticipar do processo de produzir conhecimento.
Ao longo de todo o texto, ainda segundo Marcelo Gleiser, o autor apresenta o amor como elo universal, sentimento que fornece sentido à matéria e tudo o que dela faz parte. Para ele, esse seria o princípio criativo que estaria em tudo e em todos; o coração propulsor do mistério. No turbilhão da existência, o bicho homem seria o representante entre o inanimado e o consciente, aglomerados de átomos de questionar a própria existência e a origem de tudo.
Conforme Marcelo Gleiser, com base na visão científica hodierna, Frei Betto, nesse livro, mostra, claramente, que não há incongruências e incompatibilidades entre a ciência e o campo do espiritual. Que a ciência é uma busca essencialmente religiosa, como acreditava o grande Einstein.
Antes de apresentar as partes constitutivas da obra e seus principais temas e pontos de debate, faz-se imprescindível conhecer um pouco acerca de Frei Betto. Para tanto, é oportuno pontuar que ele é o autor de 60 (ou mais) livros, muitos deles editados e reeditados tanto no Brasil como no exterior. Nasceu em Belo Horizonte e se enveredou pelos estudos na área da Comunicação (Jornalismo), Antropologia, Filosofia e da Teologia. Talvez, por isso, seja um teórico capaz de transitar por várias áreas e saberes, provocando nos leitores a confusão entre saber-sabor, sabor-saber.
A obra se compõe de Introito e 15 capítulos. 1. Nenhuma certeza escapa às nossas dúvidas. 2. Somos tão naturais quanto uma abóbora. 3. Das estrelas à subjetividade. 4. A dança das galáxias. 5. Procura-se a identidade do universo. 6. O imponderável mundo do infinitamente pequeno. 7. A explosão primordial deu no New York Times. 8. Somos todos feitos, literalmente, do pó de estrelas. 9. A boca faminta do céu. 10. A espinha dorsal da noite. 11. A Terra, nossa morada. 12. O misterioso aparecimento da vida. 13. O ser humano, uma obra prima. 14. A vida da Terra. 15. A busca da unificação.
No Introito, a partir de leituras bíblicas, Frei Betto começa a discussão em torno dos mistérios da existência. Do bíblico, parte para noções e conceitos literários, físicos e geográficos, a partir de divagações e teorias para explicar as primeiras pinceladas no processo de criação do cosmos, do Universo.
No primeiro capítulo, Nenhuma certeza escapa às nossas dúvidas, vale-se de campos conceituais múltiplos como o de Murray Gell-Mann, com a ideia de que todo conhecimento humano, incluindo artes e ciências, tem conexões, Stephen Hawking, com uma breve história do tempo e crescente interesse pela busca de novos paradigmas demarcados pela atual cosmologia e a Física Quântica; também vai à filosofia de Platão, à teologia de Santo Tomás de Aquino, à concepção política de Maquiavel, à filosofia de Descartes, à Física de Newton, ao liberalismo e ao marxismo, como pilares da visão de mundo ou cosmovisão de que todos nós habitamos a esquina onde termina o segundo milênio e se inicia o terceiro. Nesse capítulo, Frei Betto, dentre outros aportes que ajudam a compreender o longo percurso no processo de criação da vida e do próprio cosmos, mostra que na crise das ideologias, muitos se voltam para o terreno supostamente sólido das ciências ou mergulham no imponderável voo das correntes esotéricas. Continua mencionando que as grandes instituições como a família, a igreja, a escola e outras parecem não mais corresponder ao papel de norteadoras das novas gerações. Segue pontuando que, na versão pós-moderna, Protágoras diria que cada um é a medida de si mesmo e que o valor de hoje pode ser descartado amanhã, dependendo das conveniências e interesses do mercado. Nesse capítulo, o leitor toma contato com um Frei Betto cônscio de que a humanidade avançou do universo geocêntrico de Aristóteles para o universo heliocêntrico de Copérnico, para o universo ampliado de Newton, descobriu o universo de Einstein, Hubble e Hawking. A partir dessas novas configurações do pensar, modificaram-se as percepções em torno do desenho cósmico no fundo do caleidoscópio e, dessa forma, houve a mudança na maneira de ver o mundo e nele atuar. Esse capítulo é uma lição holística no campo das ciências para mostrar que há muito por descobrir em relação aos pontos de vista e vistas de ponto no que concerne à matéria, ao planeta, ao universo e a tudo, de maneira amplificada.
Em “Somos tão naturais quanto uma abóbora”, Frei Betto, para explicar o universo, faz uso da história da observação do universo a partir dos gregos, externando que assírios, babilônios, hinduístas, vedas, egípcios, astecas e maias, entre outros povos e grupos religiosos, há milênios desenharam suas visões cosmológicas. Segundo o autor, mais tarde, os teólogos cristãos, influenciados pelo dualismo platônico, acolheram, com alegria, a teoria aristotélica de um Universo composto de vários elementos. Depois, a cosmologia aristotélica que, aliás, fora elaborada por Calipso, seu assistente, que de estrela, entendia mais que o mestre, caiu como luva para a igreja, que pregava ter sido o Universo criado por Deus. Prossegue dizendo que o tempo e a evolução estavam descartados daquela visão fixista e que foi graças a Ptolomeu, astrônomo egípcio do século II, que essa concepção foi mantida por mil anos.
Após aprofundar a discussão em torno das mudanças de visão do homem sobre o Universo, valendo-se de conceitos e noções de pensadores como Copérnico, Heisenberg, Einstein, Moacir Lacerda, continua a discussão, apresentando a noção de que agora, menos premidos pela intolerância e, sobretudo, sem o risco de uma prévia do inferno numa fogueira inquisitorial, podemos manifestar a convicção de que haveria uma única realidade, que pode ser vista por diferentes óticas.
Frei Betto, neste capítulo, afirma que, atualmente, muitos procuram elos que comprovem a íntima e indissociável ligação entre o Espírito e todo o conjunto do Universo. Segundo ele, as ciências apenas conhecem fragmentos da realidade e que a realidade se mostra e o real se demonstra, mas o real é questionável.
No capítulo “Das estrelas à subjetividade”, o autor, de forma profunda, científica e metafórica, cita Shakespeare para explicar que são as estrelas que nos governam. Em seguida, coloca que há cerca de 2.300 anos, Aristóteles escreveu “Dos céus”, livro no qual pretendeu explicar o Universo. No referido livro, Aristóteles apresenta a tese de que o Criador estendeu no firmamento um movimento eterno e perfeito do sol, da lua, dos planetas e das estrelas fixadas no interior de oito esferas cristalinas, que teriam a Terra como eixo. Nesse âmbito, tudo estaria cheia do Divino, que o vazio não existiria e que nos céus as coisas se moveriam de forma circular e na Terra de forma reta. Cita as obras de Aristóteles, destacando a Física, que trata do mundo assim como ele se nos apresenta, e a Metafísica, aquilo que está além da física, a pesquisa sobre o ser em si mesmo e as razões pelas quais o mundo é o que é. No Dos céus, Aristóteles defende que o Universo seria formado por um conjunto de 55 esferas encaixadas uma na outra, ou melhor, uma dentro da outra. Continua mencionando que, agora, talvez, saibamos mais um pouco a respeito do Universo do que os gregos do tempo de Aristóteles. Para Frei Betto, conhecer a imensa morada cósmica na qual habitamos permite compreender um pouco mais o sentido de nossa própria existência dentro dela. Ao passar por Sócrates, para explicar que ele reconhecia que a alma é purificada e reanimada, pelo estudo dos céus, não foi por descuido ou descaso que ele deixou de fixar os olhos na abóbada celeste, e sim por sabedoria. Foi essa sabedoria que o fez ir a Delfos para indagar sobre as matérias estranhas da existência, entre elas, a Astronomia. Após refletir sobre isso, Frei Betto externa que hoje se busca um caminho inverso, as veredas que conduzem das estrelas à subjetividade. Também citou Ptolomeu, recorrendo ao Almagesto, conservado em treze livros que tratam de astronomia matemática, que serviu para a concepção geocêntrica, teoria aceita, equivocadamente, por tantos séculos, porque seu observatório em Canopo e a Biblioteca de Alexandria não estavam em condições de lhe proporcionar ciência mais exata. Diante disso, a Igreja se deu conta de que as ideias de Ptolomeu podiam muito bem revestir suas proposições teológicas de aparente consistência teológica. Prossegue a discussão mencionando que a Biblioteca de Alexandria, uma das maravilhas do mundo, construída três séculos antes de Cristo, era sustentada pelos Ptolomeus, os reis gregos que herdaram a parte do Egito conquistada por Alexandre, o Grande. Segundo Frei Betto, essa biblioteca foi o cérebro do planeta por aproximadamente 9 séculos. Também apresenta que o cristianismo estava em plena expansão e todo saber que não coincidisse com seus dogmas era suspeito de paganismo. Prossegue mencionando que se a ciência continuar um capricho de nossos egos inflados e não questionar também a ordem política, o dualismo prosseguirá. Termina o capítulo dizendo que ainda não extraímos todas as pedras contidas em nosso coração.
No capítulo “A dança das Galáxias”, dentre muitas questões apresentadas acerca do Universo, a que mais fica é a de que há mais interesse em saber como do que quando o universo foi criado. Ao discorrer sobre as teorias e suposições de vários pensadores acerca do surgimento da vida e do universo, o autor traz à tona a teoria do Big Bang, dizendo que não custaria imaginar que o próprio Big Bang teria consistido no colossal experimento de um superacelerador, sendo o seu resultado este Universo no qual vivemos. Traz à baila a questão do acelerador de prótons, de que agora sabemos que matéria é energia e energia é matéria. Além desta noção, ao longo do capítulo, são apresentadas outras ideias que prendem o leitor em relação às várias teorias sobre o surgimento do universo.
No capítulo “Procura-se a identidade do Universo”, Frei Betto, dentre outras discussões, apresenta a noção de que há uma variedade de modelos cosmológicos, do Universo inflacionário ao Universo-panqueca; do Big Bang, passando pelo Universo granulado, ao universo-bolha, que o supõe como uma entre tantas bolhas-universos existentes, semelhante às bolhas de sabão que se formam na ponta do canudo soprado por uma criança. Para aprofundar a discussão, recorre a nomes como Alan Guth, astro físico brasileiro, para explicar o modelo inflacionário de universo, Herman Bondi, Thomas Gold e Fred Hoyle, para explicar a teoria de universo estacionário, dentre outros nomes e teorias.
No capítulo “O imponderável mundo do infinitamente pequeno”, começa a discussão a partir da percepção de Niels Bohr de que o oposto de uma verdade profunda pode ser também uma verdade profunda. Para enriquecer ainda mais a discussão, dentre outras questões, vale-se da Física Quântica comparando-a ao espelho de Alice. A metáfora é explicada da seguinte forma: quando se penetra nela, na Física Quântica, entra-se num mundo surpreendente e maravilhoso, cujas leis não coincidem com as que regem a esfera de nossa vida cotidiana.
No capítulo “A explosão primordial deu no New York Time”, vale-se de George Smoot e sua noção de que o Big Bang é um ícone cultural, uma explicação científica da criação, para aprofundar toda a discussão. Prossegue dizendo que a teoria do Big Bang foi esboçada pelos cálculos de Alexandre Friedmann e que o padre e cosmólogo belga George Lemaître, em 1927, publicou um artigo, numa revista de circulação restrita, defendendo-a. Por ele ser sacerdote, sua teoria serviu de motivos de gracejos durante anos e em 1927, ele tentou aproximar-se de Einstein na Quinta Conferência Solvay, em Bruxelas, a fim de defender seu ponto de vista, obtendo a rudeza analítica de Einstein que argumentou o seguinte: “seus cálculos são corretos, mas sua visão física é abominável.”. Lemaître conseguiu vencer barreiras de não aceitação depois que, em 1931, ele foi notícia no New York Times, em sua edição de 19 de maio, que publicou em manchete: “Lemaître sugere que um único grande átomo, que continha toda a energia, foi o princípio do Universo.”.
No capítulo “Somos todos feitos, literalmente, do pó de estrelas”, o autor faz uma discussão bastante rica em torno de conceitos como forças nucleares fracas e fortes, gravitação, eletromagnetismo, estrutura da matéria e de todos os ingredientes da receita para a construção do Universo.
No capítulo “A boca faminta do céu”, apresenta explicações sobre o nascimento e morte das estrelas e concentra esforços em explicar a origem dos buracos negros.
No capítulo “A espinha dorsal da noite”, dentre outras discussões, tece noções sobre a energia proveniente do sol para alimentar os corpos do sistema do qual ele é a estrela nutridora.
No capítulo “A Terra, nossa morada”, vale-se do discurso histórico em torno dos elementos de composição da terra primordial até os nossos dias e deixa claro que a Terra, desolada, desaparecerá quando o sol deixar de existir.
No capítulo “O misterioso aparecimento da vida”, recorre à noção de Sri Aurobindo para fazer toda a discussão, indagando sobre qual seria o início de toda a matéria e pontuando que a existência se multiplicava por si mesma pelo mero deleite de existir, precipitando-se em trilhões de formas a fim de poder encontrar-se inumeravelmente.
No capítulo “O ser humano, uma obra-prima”, tece discussões acerca do surgimento do homem na terra e como este se transformou ou regrediu ao longo de sua existência no planeta.
No capítulo “Vida além da Terra”, o autor traz à tona a discussão sobre discos voadores e sobre a possibilidade latente de vida fora do planeta terra. Frei Betto, nesta parte da obra, argumenta que há no Universo, provavelmente, 100 quintilhões de planetas com um mínimo de condições para que haja vida.
No último capítulo do livro, “A busca da unificação”, leva o leitor a querer penetrar nos mistérios do universo, mostrando que o futuro haverá de mostrar que muitas das atuais conclusões científicas, estampadas pela mídia como definitivas, são tão incompletas quanto às do passado.
Por fim, pode-se externar que Frei Betto, com esta obra, quis mostrar que é possível romper com a ideia de que somente a ciência pode apresentar respostas aceitáveis para o surgimento do Universo e tudo o que nele há; que, a partir de uma visão holística, é possível apreender concepções e conceitos para a compreensão da história do Universo a partir de caminhos múltiplos, inclusive, por meio de noções da espiritualidade. Ademais, o autor apresenta que a Ciência ainda falta descobrir muito sobre a origem e composição do Universo e que o futuro trará muitas respostas que confirmarão, ampliarão ou, até mesmo, refutarão muitas teorias e teóricos acerca do Universo.
Referências bibliográficas
BETTO, Frei. A obra do Artista: uma visão holística do universo. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012.
1Especialista em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais, especialista em gestão educacional, especialista em linguística e ensino de línguas, especialista em metodologia de ensino de língua espanhola, licenciado em letras, habilitado em línguas estrangeiras modernas, espanhol e membro editorial da Revista Letrando, ISSN 2317-0735.
Contato: lissandrosantana@hotmail.com
2 Especialista em educação de jovens e adultos; especialista em língua portuguesa; licenciado em letras, língua materna e língua inglesa pela Universidade Federal da Bahia. Professor de inglês da Secretaria Estadual de Educação do Estado da Bahia.
O ecoturismo é uma das modalidades recreativas de maior demanda nos últimos tempos em Cuba, não somente pelos visitantes estrangeiros, mas, também, pelo turista nacional.
Por Neisa Mesa del Toro/ PL.
Tradução: Elissandro dos Santos Santana, para Desacato.info.
Os milhares de turistas que desfrutam a cada ano do polo recreativo Jardines del Rey, no litoral norte da região central de Cuba, se sentem atraídos pelas excursões e aventuras pelos sítios naturais do território.
Por meio da Agência Cubana de Viagens Ecotur, especializada em turismo de natureza, você pode optar por passeios a cavalo, passeios de trilhas de origem, safari de jipe, excursões de barco, observação de pássaros, pesca, kite surf e ciclismo, entre outros.
Os passeios permitem-lhe explorar lagos, florestas, parques, rios, dunas e áreas protegidas pertencentes ao Grande Pantanal Norte de Ciego de Ávila.
Loma de Cunagua, lagoas La Redonda e Leche, o sítio de San Pedro, centro de reprodução do crocodilo e da Sierra de Jatibonico, alguns lugares que compõem o ambiente.
Um lugar preferido é a Laguna de la Leche, o maior reservatório natural da ilha, com um ambiente adequado para o entretenimento, esportes náuticos, pesca e caça.
Ali vivem cerca de 90 espécies de vertebrados terrestres e mais de 100 tipos de aves, entre endêmicas, migratórias, de veraneio e de inverno, além da abundante vegetação das florestas de mangue.
Outro lugar é a Laguna la Redonda, lago de cerca de cinco quilômetros quadrados que se destaca por seus canais interiores cercados por uma flora típica da região.
Passeios de barcos por um canal são recebidos pelos caminhantes para observar aves aquáticas em um ambiente de saúde muito natural e benéfico para a saúde.
Mais distante da costa está a Sierra de Jatibonico, onde se localiza a cidade de Florença, com panorâmica de vales e montanhas em uma área rural própria dos campos cubanos.
Até esse ponto se chega mediante uma caminhada de oito quilômetros pelas deslumbrantes paisagens e pela beira do rio Jatibonico do Norte, este com a particularidade de que seu curso adentra uma montanha.
Nessa área, o turista entra em contato com os agricultores, conhece o modo de vida desses homens, compartilha atividades agrícolas e desfruta de um almoço crioulo.
Ao noroeste de Ciego de Ávila fica La Loma de Cunagua, com abundante flora e fauna e suas duas trilhas interpretativas: Los Tocororos e o Palmar de las Cotorras.
Esta área protegida do centro da ilha serve de refúgio para aves silvestres como tocororo (ave nacional de Cuba), cartacuba, periquitos, cateyes, o tordo real, os carpinteiros verdes e o jabao.
Adentrando-se nas ilhotas Coco e Guillermo, se pode explorar vários caminhos que conduzem a uma das colônias de flamingos, os maiores da nação, ou deleitar-se com dunas rodeadas da vegetação nativa.
O sítio La Güira, um dos lugares mais emblemáticos das ilhotas, oferece a possibilidade de observar três ecossistemas: florestas verdes microfilas, mangues e lagoas, cada um com a fauna associada.
Ali se intercalam história e natureza, pois é possível conhecer os costumes e a vida dos primeiros povoadores de Cayo Coco -os carboneros– com suas tradições e danças típicas.
Também se consegue explorar caminhos para descobrir as riquezas e belezas do entorno, que nesse ponto são de alta sensibilidade ecológica, com muitas variedades de espécies da flora e da fauna.
Pelo entorno de Playa Pilar, em Cayo Guillermo, se localizam as dunas mais altas do Caribe, com 15 metros, seguido das de Loma del Puerto, em Cayo Coco, que alcançam 12 metros de altura.
A região turística também convida à prática de esportes extremos como o kite surf, o parapente, e ao parque de escalada Torre de Cristal, para aventurar-se e soltar um pouco a adrenalina.
A natureza submergida constitui outro atrativo para aqueles que gostam do mergulho e querem ver a beleza natural do fundo do mar, pois, muito perto da área encontra-se uma das maiores barreiras de coral do mundo.
Os passeios de barco com fundo de vidro e excursões de catamarã para Cayo Media Luna, com possibilidades de praticar mergulho e outros esportes náuticos, completam as ofertas para manter o visitante em contato direto com o entorno marinho.
Jardines del Rey, situado no litoral norte de Ciego de Ávila, a aproximadamente 500 quilômetros ao leste de Havana, não somente tem como principal modalidade o sol e a praia, como também se posiciona no mercado com a peculiaridade do turismo pelas belezas que o cercam.
Com mais de 7.500 quartos de hotéis, a área de recreação tem como mercado líder a Canadá, país seguido pelo Reino Unido e pela Itália, e, anualmente, recebe em torno de 400 mil visitantes.
O discurso hipócrita em torno da sustentabilidade na abertura dos jogos olímpicos no Brasil
Por Elissandro dos Santos Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.
A festa foi belíssima, estonteante, proporcionadora da aproximação dos povos dos cinco continentes, reveladora do Brasil justo socioambiental, que empodera os negros, os índios, os homossexuais, os transexuais, os bissexuais, as mulheres e outras minorias. No tal baile olímpico, mostrou-se um país que respeita a diversidade, uma nação na qual as raças, as identidades de gênero e sexuais se harmonizam no cotidiano nacional. No encontro internacional dos povos só não se mostrou os outros fatos, aqueles do cotidiano brasileiro, para além da pirotecnia do marketingdo país perfeito. Na majestosa e idílica apresentação, mostrou-se o Brasil dos sonhos, não o real.
Nos rituais de início dos Jogos Olímpicos de 2016 ficcionalizou-se a nação, idealizando-se e escondendo-se o Brasil de todos os dias, aquele regido pelo machismo desencadeador de golpes contra a primeira mulher eleita presidenta do país, de forma democrática e legal, aquela que, por conta da mídia tradicional a serviço do projeto dos machos do capital, sofreu ataques verbais depreciativos e machistas por parte de parcela considerável da sociedade bestializada pelos jornais criadores e manipuladores das notícias ao sabor dos donos do poder.
Na referida festa, não se abriu espaço para mostrar o país que institucionaliza a homofobia, que, mesmo em pleno século XXI, indultem-me o clichê discursivo, no silêncio da inoperância legislativa, permite o ataque a homossexuais com lâmpadas na Avenida Paulista e em outros rincões do Brasil, possibilita a violência diária contra as mulheres, consolida a cultura do estupro na inércia da aplicação das leis, veda os olhos sociais para que os projetos de cidadãos entrem no eterno círculo de abstinência nas bases do pensar e, consequentemente, não consigam construir a mudança. Nesse Brasil ocultado, os seres bestializados criam a eterna figura do herói, geralmente, partidários, como aquele que só consegue enxergar erros de alguns membros do PT, que é capaz de mandar prender a cunhada do tal ex-tesoureiro petista, mesmo que esta não tivesse relação nenhuma com o caso, mas que não consegue prender a esposa do malvado favorito corrupto da direita reacionária, mesmo com todas as provas contundentes.
Nessa abertura olímpica, não se apresentou o Brasil que proporciona o abandono de crianças, que se cala diante dos maus-tratos aos animais, que permite que magistrados silenciem jornalistas que são corajosos e revelam os ganhos públicos além da conta de autoridades judiciárias, que depreda seu próprio capital natural, fazendo com que a sociedade não consiga pensar no porvir, um país que, mesmo com legislação contra o racismo, não controla o discurso do ódio social branco-elitista em relação aos negros, eximindo-se da culpa diante da morte simbólica e real de milhares de cidadãos-negros quando lhes são negados o acesso às riquezas do país.
Nessa abertura de olimpíadas não se revelou o Brasil que convive, de forma harmoniosa e silenciosa, com uma Bancada da Bíblia, do Boi e da Bala que impossibilita mudanças legislativas que tragam justiça para as minorias sofridas, que dialoga com um Congresso Nacional, na maioria, corrupto, que, distante da laicidade do Estado, cria leis em nome da família tradicional e dos dogmas da fé umbilical de cada deputado/senador. Essa festa não mostrou como os ovos do fascismo estão sendo gestados através das personagens reacionárias representativas dos segmentos sociais mais conservadores como deputados fundamentalistas religiosos vendilhões da fé acusados de estupros. Nesse Brasil não apresentado, muitos membros do Congresso são capazes de propor a mordaça pedagógica, por meio da Escola Sem Partido, um projeto cerceador dos discursos docentes em torno das possíveis práxis de libertação das consciências. Ou seja, não se apresentou o país que inviabiliza o futuro de seu povo.
O baile olímpico, do início ao fim, através da magia dos efeitos técnicos, mostrou-se recopilador dos discursos do patriarcado, da história contada pelo macho, pelos donos do poder desde o “achamento” da terra Brasil até os dias atuais.
A mensagem de abertura dos jogos olímpicos no Brasil teve como foco a sustentabilidade e, como mencionado, o empoderamento das minorias, mas tudo não passou de fantasia. Para os menos críticos, o discurso foi lindo e profundo, para os seres dados a reflexões para além do que a grandeMass Media gestora de golpes e ditaduras, bestializadora das massas, quis imprimir nos imaginários sociais coletivos, ficou a latência da hipocrisia entre discurso e prática.
A hipocrisia se revela quando, por exemplo, qualquer brasileiro, com o mínimo de cognição possível, recorre à memória e percebe que, ao longo do processo de formação da nacionalidade brasileira, imperaram injustiças socioambientais por meio dos discursos opressores de aversão à diferença materializados em racismo, machismo, homofobia e, principalmente, com a destruição dos ambientes naturais, a partir da lógica da exploração de elementos da fauna e da flora, inicialmente, para a Coroa Portuguesa e, depois, após a “independência”, para a construção da nação que se pretendia livre, mas que, mesmo em tempos hodiernos, continua atrelada à forma colonial de desenvolvimento.
Foi paradoxal e hipócrita tentar mostrar ao mundo uma preocupação ambiental, quando há alguns meses, a própria mídia tradicional, a serviço do golpe político no Brasil, e a mídia internacional relataram desastres ambientais de proporções gigantes no país. Dentre esses casos ambientais vexatórios, está Bento Rodrigues, pequeno distrito de Mariana que foi tragado pelo lamaçal resultante de ações insustentáveis em torno da exploração dos recursos minerais brasileiros em decorrência da gananciosa e inescrupulosa indústria da mineração prenhe dos ideários capitais tradicionais em que prevalece a valia do lucro e a depredação do capital natural e social. Não bastasse varrer Bento, a lama dizimou a biodiversidade, propriedades privadas, o Rio Doce e chegou ao litoral, percorrendo centenas de quilômetros e interferindo na história e na vida das comunidades por onde passou. Na região de Belo Monte, devido à construção da hidrelétrica, dentre tantos impactos ambientais, acredita-se que ocorrerá e, já esteja ocorrendo, a diminuição do regime de vazão do rio Xingu. Tal fator, em grande escala, afeta terras indígenas, prejudicando, de alguma forma, as populações que vivem e sobrevivem da cultura da pesca na região. Além disso, o desmatamento na área de construção e adjacências poderá se intensificar, com isso, contribuindo, diretamente, para o crescimento urbanístico desordenado; no Sul da Bahia, a desculpa do desenvolvimento colocou em marcha a construção do Porto Sul, com autorização dos órgãos ambientais, mesmo com várias críticas de ambientalistas e estudiosos socioambientais acerca dos prejuízos e déficits naturais que a referida obra pode ocasionar à região. Em Porto Seguro, o turismo insustentável vende a imagem da cidade-paraíso, um pacote a ser consumido, com a especulação imobiliária que destrói áreas verdes a olho nu, sem a preocupação das autoridades competentes locais. Em Mato Grosso do Sul, índios são dizimados ao sabor e desejo dos latifundiários, além, é claro, de outras mazelas pelo imenso Brasil.
Nesse país não apresentado, em suas grandes cidades, muros metafóricos divisórios de classes são erguidos e, a partir desses construtos de poder, a violência toma corpo, alimentada pelas ausências do Estado que nada dá, mas tudo tira; um verdadeiro saqueador de vidas. Nessa parafernália de divisórias sociais, surgem favelas e bairros nobres. Para as partes ricas citadinas, o governo trabalha, e, para as regiões pobres, o governo nada faz, a não ser provocar o esfacelamento ancorado na negação de todos os direitos.
A abertura das Olimpíadas do Rio deveria ter mostrado os movimentos sociais contra Temer e em favor da democracia em Copacabana e em todo o país, ademais, deveria ter exibido a ditadura do governo golpista através da máquina pública para abafar as vaias ao seu governo. Também deveria ter mostrado que as instituições estão em crise no país e que está em curso um projeto de governo que retira direitos sociais conquistados nas gestões de Lula e Dilma, dois seres que fizeram com que os pobres do país começassem a sonhar.
Enfim, essa foi uma abertura da hipocrisia, pois o discurso em torno da preocupação brasileira com as questões socioambientais não corresponde aos fatos, portanto, não convenceu aos brasileiros mais críticos e, tampouco, aos estrangeiros também ávidos pela verdade. Caso os relatos apresentados até agora não sejam suficientes para lhe convencer acerca da hipocrisia presente no discurso ambiental nas atividades iniciais do tal baile épico, pense no assassinato de Juma, aquela linda onça usada para os rituais pré-olímpicos com a passagem da tocha olímpica pelo norte brasileiro, assassinada ao final da festa porque, depois de provar um pouco do ar fora do cativeiro, não quis mais retornar à jaula.
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Publicado na Desacato
Argentina: Brilham os dentes do lobo
Por Débora Mabaires, Buenos Aires, para Desacato.info.
Tradução: Elissandro dos Santos Santana.
(Português/Español).
Na última semana, o governo do presidente Mauricio Macri tem avançado sobre as liberdades civis quase sem oposição.
Em declarações à imprensa, criticou a juízes, procuradores e funcionários judiciais, acusando-os de “dificultar a política”; supondo que a estrita aplicação das leis é um obstáculo. Esta declaração de princípios, que deveria haver disparado críticas no espectro político da oposição, assim como na imprensa, quase não teve repercussão; com exceção do comunicado que emitiu posteriormente a associação “Justiça Legítima” que havia sido o alvo de seu ataque.
Macri havia dito nessa entrevista: “há juízes e promotores deste grupo por todos os lados, que obstruem a política (como aconteceu com as taxas), ou que acreditam na abolição do Código Penal. Travam as decisões políticas, sejam econômicas ou de segurança, por razões ideológicas, não judiciais. Conheço-os. Faziam-me o mesmo na Capital Federal”.
E no dia seguinte, esse mesmo importante jornal matutino publicou uma lista de juízes que poderiam ser levados a um impeachment, por não gozarem da simpatia de Mauricio Macri.
Quase na solidão, a associação “Justiça Legítima” emitiu um comunicado e manifestou sua preocupação: “suas palavras contém uma velada ameaça ou uma advertência inaceitável em um sistema de divisão de poderes”.
A gravidade institucional que representa este novo avanço do Poder Executivo sobre a independência dos demais poderes reside em que os mecanismos democráticos que deveriam ser acionados para impedi-lo, encontram-se sob o domínio real do partido governista.
Também, deu-se a conhecer uma Resolução da Chefia de Gabinete de Ministros, pela qual se disporá da utilização da base de dados da Administração Nacional da Segurança Social (ANSES). Este Organismo é detentor de todos os dados filiados, domicílio, telefone, e-mail, celular, dados de pensão; bem como também informação sobre os benefícios sociais que pudesse perceber por deficiência de algum familiar, viuvez, pensão alimentícia etc.
Em uma clara violação das garantias constitucionais e das leis vigentes que protegem os dados pessoais, o governo de Mauricio Macri decidiu utilizar a base mais importante e mais atualizada do país, com a desculpa de que serão usados em comunicação, incluindo as redes sociais.
Dois dias depois, reuniu-se com os gerentes das principais empresas de telefonia móvel, para assinar um acordo que permita ao Estado acessar o celular de determinados cidadãos.
Do governo, prometem que sempre se utilizará este recurso, atuando a partir de ordem judicial.
Não é possível contornar que Mauricio Macri foi eleito presidente com o voto dos argentinos, porém, tampouco podemos deixar de lado que assumiu processado judicialmente por criar um corpo paraestatal de espionagem com pessoal da Polícia Metropolitana da Cidade de Buenos Aires que ele governava.
Durante a investigação, pode estabelecer-se que as escutas telefônicas ilegais realizadas sobre familiares de vítimas do atentado à AMIA, funcionários do governo de Cristina Kirchner, jornalistas e até seus próprios familiares foram realizadas com ordem judicial emanada dos juízes de Misiones, distante quase 1000 quilômetros e que eram conhecidos de Mauricio Macri.
O processo pela suposta participação nesta espionagem foi solicitado pelo promotor Alberto Nisman, o mesmo que apareceu morto com um tiro na cabeça no banheiro de seu apartamento, em circunstâncias ainda em investigação.
Alberto Nisman, antes de morrer, havia recebido, em menos de 48 horas, mais de 60 chamadas; umas 40 delas, provenientes dos telefones de duas mulheres vinculadas a Mauricio Macri: Laura Alonso, que hoje ocupa a chefia do Escritório Anticorrupção e Patrícia Bullrich, que hoje é a Ministra de Segurança do Governo.
Ameaças públicas a grupos de funcionários do judiciário, espionagem, perda de direitos humanos e de cidadania, e o lobo de prontidão cuidando das ovelhas…
A Dictocracia Macrista está apenas começando a mostrar os dentes.
Relucen los dientes del lobo
Por Débora Mabaires, Buenos Aires, para Desacato.info.
En la última semana, el gobierno del presidente Mauricio Macri ha ido avanzando sobre las libertades ciudadanas casi sin oposición.
En declaraciones a la prensa, criticó a magistrados, fiscales y funcionarios del poder judicial, acusándolos de “entorpecer la política”; dando por sentado que el estricto cumplimiento de las leyes es un obstáculo. Esta declaración de principios, que debería haber disparado críticas en el arco político opositor como así también en la prensa, casi no tuvo repercusión; a excepción del comunicado que emitió con posterioridad la asociación “Justicia Legítima” que había sido el blanco de su ataque.
Macri había dicho en esa entrevista : “Hay jueces y fiscales de esa agrupación en todos lados que obstruyen la política (como sucedió con las tarifas) o que creen en la abolición del Código Penal. Traban las decisiones políticas, sean económicas o de seguridad, por razones ideológicas, no judiciales. Los conozco. Me hacían lo mismo en la Capital Federal”.
Y al día siguiente ese mismo importante matutino publicó una lista de magistrados que podrían ser llevados a un juicio político por no gozar de la simpatía de Mauricio Macri.
Casi en soledad, la asociación “Justicia Legítima”, emitió un comunicado y manifestó su preocupación : “sus palabras contienen una velada amenaza o una advertencia inaceptable en un sistema de división de poderes”.
La gravedad institucional que representa este nuevo avance del Poder Ejecutivo sobre la independencia de los otros poderes, reside en que los mecanismos democráticos que debieran accionarse para impedirlo, se encuentran bajo dominio real del partido gobernante.
También se dio a conocer una Resolución de la Jefatura de Gabinete de Ministros, por la que se dispondrá de la utilización de la base de datos de la Administración Nacional de la Seguridad Social (ANSES). Este organismo es custodia de todos los datos filiatorios; domicilio; teléfono; correo electrónico; teléfono móvil; datos previsionales; así como también información sobre los beneficios sociales que pudiera percibir por discapacidad de algún familiar, viudez, enfermedades, pago de alimentos, etc.
En una clara violación a las garantías constitucionales y las leyes vigentes que protegen los datos personales; el gobierno de Mauricio Macri ha decidido usar la base más importante y más actualizada del país, con la excusa de que serán usados en comunicación, incluyendo las redes sociales.
Dos días después, se reunió con los gerentes de las principales empresas de telefonía móvil, para firmar un acuerdo que le permita al Estado acceder al teléfono móvil de determinados ciudadanos.
Desde el gobierno, prometen que siempre se utilizará este recurso, actuando bajo orden judicial.
No es posible soslayar, que Mauricio Macri fue elegido presidente con el voto de los argentinos; pero tampoco podemos dejar de lado, que asumió procesado judicialmente por crear un cuerpo paraestatal de espionaje con personal de la Policía Metropolitana de la Ciudad de Buenos Aires que él gobernaba.
Durante la investigación pudo establecerse que las escuchas telefónicas ilegales realizadas sobre familiares de víctimas del atentado a la AMIA; funcionarios del gobierno de Cristina Kirchner; periodistas y hasta sus propios familiares; fueron realizadas con la orden judicial emanada de dos magistrados de la provincia de Misiones, distante a casi 1000 km; y que eran conocidos de Mauricio Macri.
El procesamiento por su supuesta participación en este espionaje, fue pedido por el Fiscal Alberto Nisman; el mismo que apareció muerto con un tiro en la cabeza en el baño de su departamento, en circunstancias que aún se investigan.
Alberto Nisman, antes de morir, había recibido en menos de 48 horas, más de 60 llamadas; unas 40 de estas, provenientes de los teléfonos de dos mujeres vinculadas a Mauricio Macri: Laura Alonso, que hoy ocupa la jefatura de la Oficina Anticorrupción; y Patricia Bullrich, quien hoy es la Ministra de Seguridad del gobierno.
Amenazas públicas a conjuntos de funcionarios judiciales, espionaje, pérdida de derechos humanos de la ciudadanía, y el lobo puesto a cuidar a las ovejas…
La dictocracia macrista apenas está empezando a mostrar sus dientes.
N. da R.: A entrevista é de maio, mas ela continua atual.
Diana Johnstone é, talvez, uma das comentaristas da política europeia e estadunidense mais reputada na esquerda. Colaboradora, entre outros, Counterpunch, Johnstone, tornou-se conhecida na Europa por suas críticas à política ocidental durante as guerras nos Balcãs, acaba de publicar um livro sobre Hillary Clinton que tem como título “A rainha do caos”. A entrevistou para lamarea.com Ángel Ferrero.
Os meios estadunidenses têm colocado sua atenção nestas primárias em Donald Trump. Porém, em sua opinião, Hillary Clinton também deveria ser motivo de preocupação. Tem-na descrito como “a rainha do caos”. Por quê?
Trump consegue manchete por que é uma novidade, um homem midiático que diz coisas polêmicas. É visto como um intruso em um espetáculo eleitoral desenhado para transformar Clinton na “primeira mulher presidenta dos Estados Unidos”. Por que a chamo de rainha do caos? Em primeiro lugar, por causa da Líbia. Hillary foi, em grande medida, responsável pela guerra que afundou a Líbia no caos, um caos que se estende até o resto da África e, inclusive, da Europa. Tem defendido mais guerra ao Oriente Médio.
Minha opinião não é que Hillary Clinton “também deveria” ser motivo de preocupação. Ela é o principal motivo para preocupação. Clinton promete apoiar mais a Israel contra os palestinos. Está totalmente comprometida com a aliança de fato entre Arábia Saudita e Israel que tem como objetivo derrocar Assad, fragmentar Síria e destruir a aliança xiita entre Irã, Assad e o Hezbollah. Isto aumenta o risco de confronto militar com Rússia e Oriente Médio. Ao mesmo tempo, Hillary Clinton defende uma política beligerante contra Rússia na fronteira com a Ucrânia. Os meios de comunicação de massas no Ocidente se negam a dar conta que muitos observadores sérios, como, por exemplo, John Pilger e Ralph Nader, temem que Hillary Clinton nos conduza, sem adverti-lo, à Terceira Guerra Mundial.
Trump não se ajusta a este modelo. Com seus comentários grosseiros, Trump se desvia, radicalmente, do padrão dos lugares comuns que ouvimos dos políticos estadunidenses. Porém, os meios de comunicação estabelecidos têm sido lentos em reconhecer que o povo estadunidense está completamente cansado de políticos que se ajustam ao padrão. Esse padrão está personificado por Hillary Clinton. Os meios de comunicação europeus têm apresentado Hillary Clinton como a alternativa sensata e moderada ao bárbaro de Trump. No entanto, Trump, o “bárbaro”, está a favor de reconstruir a infraestrutura do país em vez de gastar o dinheiro em guerras no estrangeiro. É um empresário, não um idealista.
Trump afirmou, claramente, sua intenção de pôr fim à perigosa demonização de Putin para desenvolver relações comerciais com Rússia, o que seria positivo para os Estados Unidos, para a Europa e para a paz mundial. Estranhamente, antes de decidir apresentar-se como republicano, para consternação dos líderes do Partido Republicano, Trump era conhecido como democrata e era a favor de políticas sociais relativamente progressistas, a esquerda dos atuais republicanos ou, inclusive, Hillary Clinton.
Trump é imprescindível. Seu recente discurso no AIPAC, o principal lobby pró-israelense, foi excessivamente hostil com o Irã, e em 2011 caiu na propaganda que conduziu à guerra contra a Líbia, inclusive, sim, agora, retrospectivamente, à crítica. É um lobo solitário e ninguém sabe quem são seus assessores políticos, porém, há esperança de que lance fora da política aos neoconservadores e intervencionistas liberais que têm dominado a política exterior estadunidense nos últimos quinze anos.
Os assessores de Clinton destacam sua experiência, em particular, como secretária de Estado. Muito se tem escrito acerca desta experiência e nem sempre de maneira positiva. Qual foi seu papel na Líbia, Síria e Honduras?
Há duas coisas para dizer sobre a famosa experiência de Hillary Clinton. A primeira é observar que sua experiência não é o motivo de sua candidatura, mas, sim, a candidatura é o motivo de sua experiência. Em outras palavras, Hillary não é candidata devido a que sua experiência maravilhosa tenha inspirado ao povo escolhê-la como aspirante à presidência. É mais correto dizer que acumulou esse currículo justamente para qualificar-se como presidente.
Durante aproximadamente 20 anos, a máquina clintonita que domina o Partido Democrata planejou para que Hillary se transformasse na “Primeira mulher presidenta dos Estados Unidos” e sua carreira foi desenhada com esse propósito: em primeiro lugar, senadora de Nova Iorque, depois, secretária de Estado.
O segundo diz respeito ao conteúdo e à qualidade dessa famosa experiência. Tem se obstinado em demonstrar que é forte, que tem potencial para ser presidenta. No Senado votou a favor da guerra do Iraque. Desenvolveu uma relação muito próxima com o intervencionista mais radical de seus colegas, o senador republicano pelo Arizona, John McCain. Uniu-se aos chauvinistas religiosos republicanos para apoiar medidas para fazer com que queimar a bandeira estadunidense fosse um crime federal. Como secretária de Estado trabalhou com “neoconservadores” e, essencialmente, adotou uma política neoconservadora utilizando o poder dos Estados Unidos para redesenhar o mundo.
No que diz respeito a Honduras, sua primeira importante tarefa como secretária de Estado foi proporcionar cobertura diplomática para o golpe militar de direitas que derrubou o presidente Manuel Zelaya. Desde então, Honduras se transformou na capital com mais assassinatos do mundo. Com relação à Líbia, persuadiu ao presidente Obama para derrubar o regime de Gaddafi utilizando a doutrina de “responsabilidade para proteger” (R2P) como pretexto, baseando-se em falsas informações. Bloqueou ativamente os esforços de governos latino-americanos e africanos para mediar, e, inclusive previu os esforços da inteligência militar estadunidense para negociar um compromisso que possibilitasse a Gaddafi ceder o poder pacificamente.
Continuou essa mesma linha agressiva com a Síria, pressionando ao presidente Obama para que incrementasse o apoio aos rebeldes anti-Assad e inclusive para impor uma “zona de exclusão aérea” baseada no modelo líbio, arriscando-se a uma guerra com a Rússia. Caso se examine com atenção, sua “experiência” mais que qualifica-la ao posto de presidenta, desqualifica-a.
Como secretária de Estado, Clinton anunciou em 2012 uma “articulação” à Ásia oriental na política exterior estadunidense. Que tipo de política nós poderíamos esperar de Clinton em relação à China?
Basicamente, esta “articulação” significa um deslocamento do poder militar estadunidense, em particular, naval, desde Europa e Oriente Médio ao pacífico Ocidental. Supostamente, porque devido ao seu crescente poder econômico, a China há de ser uma “ameaça” potencial em termos militares. A “articulação” implica a criação de alianças antichinesas entre outros Estados da região, o que com toda probabilidade incrementará as tensões, e cercando a China com uma política militar agressiva a empurra efetivamente para uma corrida armamentista. Hillary Clinton aposta em sua política e se chegasse à presidência, a intensificaria.
Clinton disse em 2008 que Vladimir Putin não “tem alma”. Robert Kagan e outros “intervencionistas liberais” que desempenharam um papel destacado na crise da Ucrânia a apoiam. Sua política em direção a Rússia seria de um maior enfrentamento que a dos outros candidatos?
Sua política seria claramente de um maior confronto em relação à Rússia que as de Donald Trump. O oponente republicano de Trump, Ted Cruz, é um fanático evangélico de extrema direita que seria tão prejudicial como Clinton, ou, talvez, pior. Compartilha da mesma ideia semirreligiosa de Clinton no papel “excepcional” dos Estados Unidos para modelar o mundo à sua imagem. Por outra parte, Bernie Sanders se opôs à guerra do Iraque. Não tem falado muito de política internacional, porém seu caráter razoável sugere que seria mais sensato que qualquer dos demais.
Os assessores de Clinton tratam de destacar seu intento de reformar o sistema sanitário estadunidense. Foi essa a intenção de reforma realmente um avanço e tão importante como dizem que foi?
Em janeiro de 1993, poucos dias depois de assumir a presidência, Bill Clinton mostrou sua intenção de promover a carreira política de sua esposa nomeando-a presidenta de uma comissão especial para a reforma do sistema nacional de saúde. O objetivo era levar a cabo um plano de cobertura sanitária, baseado no que se denominou de “competitividade gestora” entre empresas privadas. O diretor dessa comissão, Ira Magaziner, um assessor muito próximo de Clinton, foi quem desenhou o plano. O papel de Hillary era vender politicamente o plano, especialmente ao Congresso. E nisso fracassou por inteiro. O “plano Clinton” de umas 1.342 páginas foi considerado demasiado complicado de entender e a mediado de 1994 perdeu praticamente todo o apoio político. Finalmente, encerrou-se no Congresso.
Respondendo à pregunta, o plano basicamente não era seu, mas de Ira Magaziner. Como havia de depender das seguradoras particulares voltadas para o benefício, como ocorre com o Obama Care, certamente não era um avanço, como é o sistema universal que Bernie Sanders defende.
A campanha de Clinton recebeu notoriamente dinheiro de vários fundos de rede. Como acredita que poderia determinar sua política econômica se consegue chegar à Presidência?
Quando os Clinton abandonaram a Casa Branca, em janeiro de 2001, Hillary Clinton lamentou estar “não somente quebrado, mas em dívida”. Isso mudou logo. Falando figuradamente, os Clinton se mudaram da Casa Branca a Wall Street, da presidência ao mundo das finanças. Os banqueiros de Wall Street compraram uma segunda mansão para os Clinton no Estado de Nova Iorque (que se somou à que têm em Washington DC) emprestando-lhes primeiro o dinheiro e, depois, pagando-lhes milhões de dólares para dar palestras.
Suas amizades no setor bancário lhes permitiram criar uma fundação familiar agora valorada em dois bilhões de dólares. Os fundos da campanha procedem de fundos de investimento amigos que colaboraram de bom agrado. Sua filha, Chelsea, trabalhou para um fundo de investimento antes de se casar com Marc Mezvinsky, quem criou seu próprio fundo de investimento depois de trabalhar para Goldman Sachs.
Em poucas palavras, os Clinton se submergiram por completo no mundo das finanças, que se converteu em parte de sua família. É difícil imaginar que Hillary se mostrasse tão ingrata como para levar a cabo políticas contrárias aos interesses de sua família adotiva.
Diz-se que a política de identidade é outro dos pilares de sua campanha. Quem apoia Clinton afirma que votando nela se quebrará o teto de vidro e que, pela primeira vez na história, uma mulher entrará na Casa Branca. A partir de vários meios, tens protestado contra esta interpretação.
Uma razão fundamental para que se desse a aliança de Wall Street com os Clinton é que os autoproclamados “novos democratas” encabeçados por Bill Clinton conseguiram mudar a ideologia do Partido democrata da identidade social à igualdade de oportunidades. Em vez de lutar pelas políticas tradicionais do novo acordo que tinham como objetivo incrementar os estandartes de vida da maioria, os Clinton lutam pelos direitos das mulheres e das minorias a “ter sucesso” individualmente, a “quebrar tetos de vidro”, avançar em suas carreiras e enriquecer-se. Esta “política de identidade” quebrou a solidariedade da classe trabalhadora, fazendo com que as pessoas se centrassem na identidade étnica, racial ou sexual. É uma forma de política do “divida e vencerás”.
Hillary busca persuadir as mulheres mostrando-lhes que sua ambição é a de todas elas e que votando nela, estão votando por elas mesmas e pelo sucesso futuro. Este argumento parece funcionar melhor entre as mulheres de sua geração que se identificaram com Hillary e simpatizaram com o apoio leal a seu marido, apesar de seus flertes. Porém, a maioria das jovens estadunidenses não se deixa levar por este argumento e busca motivos mais sólidos na hora de votar. As mulheres deveriam trabalhar juntas pelas causas das mulheres, como, por exemplo, pelo mesmo salário e pelo mesmo trabalho, ou a disponibilidade de orfanatos para as mulheres trabalhadoras. Mas Hillary é uma pessoa, não uma causa, Não há nenhuma prova de que as mulheres, em geral, tenham se beneficiado no passado por terem uma rainha ou uma presidenta. E mais, ainda que a eleição de Barack Obama tenha deixado os afro-americanos felizes por motivos simbólicos, a situação da população afro-americana tem piorado.
Mulheres jovens, como Tulsi Gabbard ou Rosario Dawson, consideram que colocar fim a um regime de guerras e mudanças de regime e proporcionar a todo o mundo uma boa educação e saúde são critérios muito mais significativos na hora de escolher um candidato.
Por que as minorias seguem apoiando Clinton em vez de apoiar a Sanders?
Está mudando. Hillary Clinton ganhou o voto negro nas primárias nos Estados do sul profundo. Foi no começo da campanha, antes que Bernie fosse conhecido. No sul profundo, muitos afro-americanos estavam desencantados porque muitos deles estavam na prisão ou haviam estado na prisão, e a maioria de votantes é de mulheres mais velhas que vão regularmente à igreja, onde escuta os pregadores pró-Clinton, não o que se diz na internet.
No norte as coisas são diferentes, e a mensagem de Sanders está conseguindo estender-se. O apoia a maior parte de intelectuais afro-americanos e de afro-americanos do mundo do entretenimento. Esta é a primeira eleição presidencial onde a internet desempenha papel chave. Especialmente a população jovem que não confia nos meios de comunicação estabelecidos. É suficiente ler os comentários dos leitores estadunidenses na internet para dar-se conta de que Hillary Clinton é considerada amplamente como uma mentirosa, uma hipócrita, uma belicista e um instrumento de Wall Street.
Como vês a campanha de Bernie Sanders? É vista como a esperança da esquerda, porém, após a presidência de Obama também há certo ceticismo. Alguns comentaristas sinalizaram seu apoio a intervenções militares estadunidenses no passado.
À diferença de Obama, quem prometeu uma “mudança” vaga, Bernie Sanders é bem concreto na hora de falar das mudanças que se tem que fazer na política doméstica. E insiste em que ele sozinho não pode fazê-lo. Sua insistência no fato de que se precisa de uma revolução política para conseguir suas metas está realmente inspirando o movimento de massas que necessitaria. É suficientemente experiente e teimoso para evitar que o partido o rapte como ocorreu com Obama.
Enquanto à política exterior, Sanders se opôs firmemente e, de maneira racional, à guerra de 2003 no Iraque, porém como a maior parte da esquerda se deixou levar pelos argumentos a favor das “guerras humanitárias”, como a desastrosa destruição da Líbia.
Mas, este tipo de desastre tem começado a educar as pessoas e, talvez, tenha servido de lição para o próprio Sanders. As pessoas podem aprender. Podem ouvir entre os que lhe apoiam, a antibelicistas como a congressista Tulsi Gabbard do Havaí, que apresentou sua demissão no Comitê Nacional Democrata para apoiar Sanders. Há uma contradição óbvia entre o gasto militar e o programa de Sanders para reconstruir EEUU. Sanders oferece uma maior esperança porque vem com um movimento novo, jovem e entusiasta, enquanto Hillary vem com o complexo militar-industrial e Trump vem com ele mesmo.
Atualmente vive na França. Como vê a situação no país? Que explica a subida da Frente Nacional, paralelamente a outras forças da nova direita (ou nacional-conservadoras)?
Os partidos estabelecidos seguem as mesmas políticas impopulares na Europa e nos EUA e isso, naturalmente, leva o povo a buscar algo diferente. O controle local dos serviços sociais se sacrifica a necessidade de “atrair investidores”, em outras palavras, a dar ao capital financeiro a liberdade de modelar sociedades, dependendo de suas opções de investimento. A desculpa é que atraindo investidores se criarão empregos, porém isso não ocorre. Posto que a chave destas políticas é romper com as barreiras nacionais para permitir ao capital financeiro ganhar acesso, é normal que o povo vá aos chamados partidos “nacionalistas” que asseguram querer restaurar a soberania nacional. Como na Europa sobrevivem os fantasmas do nazismo, “soberania nacional” se confunde com “nacionalismo”, e “nacionalismo” se equipara com guerra. Estas suposições fazem com que o debate na esquerda seja impossível e termine favorecendo aos partidos de direita, que não sofrem deste ódio ao Estado nacional.
Em vez de atuar com horror à direita, a esquerda necessita ver as questões que afetam realmente o povo, com clareza.
No passado, tem criticado à esquerda (ou a uma parte considerável dela) por apoiar as chamadas “intervenções humanitárias”. Que opina da “nova esquerda” ou “nova nova esquerda” em países como Grécia e Espanha?
A propaganda neoliberal dominante justifica a intervenção militar por motivos humanitários, para “proteger” o povo de “ditadores”. Esta propaganda teve muito êxito, especialmente, na esquerda, onde, com frequência, se aceita como uma versão contemporânea do “internacionalismo” da velha esquerda, quando na realidade é todo o oposto: não se trata das brigas internacionais e seu idealismo combatendo por uma causa progressista, mas do Exército estadunidense bombardeando países em nome de alguma minoria que pode acabar revelando-se como um grupo mafioso, ou terroristas islâmicos.
Honestamente, acredito que este livro é um aporte à crítica da política intervencionista liberal, e lamento que não esteja disponível em espanhol, ainda que existam edições em inglês, francês, italiano, português, alemão e sueco.
A necessidade do resgate da inteligência emocional e espiritual em Pachamama
Por Elissandro dos Santos Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.
A simbologia de um dia/um mês dedicado à Grande Terra é imprescindível para que, em um determinado período, pelo menos, já que na efervescência da pós-modernidade, não haveria tempo nem espaço para a veneração cotidiana e contínua à mantenedora de nossa existência, Gaia, para os antigos gregos, e Pachamama, para os povos andinos, os filhos da Terra, aqueles providos da consciência racionalista sensível, se é que isso é possível, possam refletir sobre suas empirias e relações com o Planeta, bem como com os demais seres que nele habitam.
A data de hoje deveria servir como ponto de reflexão em torno das crises socioambientais atuais e, principalmente, como elemento sensibilizador, com vistas ao conhecimento das causas geradoras das crises, pois somente assim, de posse do saber da operacionalização do modus operandi dohomo economicus, será possível combater os efeitos febris que estão depredando a nossa Casa Comum.
Esse período deveria despontar como espaço interlocutório, possibilitando ao ser humano a consciência do despertar para a necessidade do resgate da inteligência emocional, ambiental e espiritual, já que há déficits em todos esses campos nas arquiteturas mentais societárias hodiernas. Frente a esse despertar, o homo sapiens sapiens, um dos bichos mais recentes na escala da existência da vida no planeta, que, segundo o respeitado pesquisador da Ciência Ambiental, G. Tyler Miller Jr., comparada aos bilhões de anos de existência da vida na Terra, a da nossa espécie pode ser considerada um período menor que um piscar de olhos.
Desafortunadamente, em eras do vazio e em sociedades da decepção, datas como essa, dedicadas ao grande ventre-terra da vida, feminino, no sentido mais profundo da geração e da concepção de todas as riquezas do existir, passam sem visibilidade pelos mecanismos tradicionais de comunicação a serviço do capital. O que impera nesse caos da alienação das massas sociais são os fluxos do “pensar” direcionados ao consumo, o senhor do prazer frugal, fugaz, destrutível e insustentável.
No antropoceno, vive-se para consumir e remodelar o globo ao bel-prazer das necessidades humanas. Com isso, esse se tornou o período das extinções em massa, tempo no qual, espécies são extintas em velocidades temporais estonteantes. A extinção é um fenômeno natural, para a biologia e para outras ciências que dialogam nessa vertente, mas, diante do quadro de alienação do consumo como promessa de paraíso de prazer, o egoísmo materializa-se em hipocrisias, maldades disfarçadas de éticas e oportunismos em larga escala.
Nessa nova era geológica, se é que já se pode rotular assim o antropoceno, a alienação proporciona a fragmentação do pensar e do sentir, gerando o homem apático, e em meio a esse arcabouço do mecanicismo mental, fragmentário nas bases, ganham força movimentos fascistas de negação das diferenças e da aniquilação da diversidade, elementos negadores da própria ecologia, área plural, por natureza.
Imerso nas leis do consumo, o ser humano não se dá conta de que os modelos de produção, bases de sistemas do modelo capitalista como, também, do socialista, estão esgotados, dado que, na relação com a Terra, ambos falharam. A diferença entre este e aquele reside no princípio da inclusão, pois, enquanto na perspectiva capital impera a selvageria do salve-se quem puder, no socialismo há a promessa da distribuição.
Mas nem tudo está perdido, não ainda, pois, todavia, temos um curto espaço de tempo para operar mudanças em nosso design mental de relação com a natureza e com as formas de produzir no mundo. Devemos, nesse pequeno tempo que nos resta, tentar reformar o pensamento para atingir um eco socialismo, pois no capitalismo, mesmo naquele que alguns teóricos acreditam que poderia ser cooperativo, vencerá a dialética do lucro sobre tudo e todos. Somente por meio da lógica da sociedade ecológica haverá a continuidade da existência.
Retomando a discussão acerca da necessidade do retorno da inteligência emocional e espiritual, é interessante recorrer ao que afirma Leonardo Boff quando ele pontua que toda a cultura moderna fundou-se sob a égide da razão instrumental-analítica, ação que deu origem à sociedade tecnológica na qual vivemos. O mesmo pensador, na mesma linha de raciocínio, externa que a razão iluminista gerou o fascínio de gerações pelos sucessos que ela alcançou em todos os campos e pelas facilidades que trouxe para a vida cotidiana. Esse período foi o período da razão intelectual.
O fascínio do racionalismo empoderou o homem, colocando-o no centro das coisas e o tornando insensível aos demais seres que existem e que merecem existir. Nesse empoderamento insensível, o bicho homem, mais demens que sapiens sapiens, vilipendiou a possibilidade de outras existências, interferindo na dinâmica da vida.
Cônscios de que o consumo movimenta a economia, os (des)humanos confundiram consumo com desenvolvimento, crentes de que estariam movimentando a mola do progresso.
Bem da verdade, a comemoração da terra deveria ocorrer todo dia, em cada despertar, a cada vento dobrando a esquina e purificando os pulmões da existência, a cada chuva que molha o solo e faz brotar a vida, a cada vez que os pássaros cantam e embelezam a vida em voos rasantes.
A partir do despertar da inteligência emocional e espiritual, o homem sairia do estado demens e chegaria ao plano da ecologia mental e, dessa forma, alcançaria a ecologia integral. Com base na ecologia integral, o ser humano acordaria para a complexidade do conhecer, percebendo que tudo está em rede, em uma teia de vida de infinitas inter-trans-relações. Possuidor da sensibilidade desse saber complexo teria a oportunidade de repensar todas as práxis de destruição e voltaria no tempo para saber em que momento houve o desligamento com a natureza, e, ao encontrar o eixo temporal de separação, tentaria o re-ligare. Religando-se, o homo economicus daria lugar ao homo ecologicus e, então, de assassino da vida, aliar-se-ia ao planeta no combate a todas as culturas insustentáveis do machismo, do racismo, da homofobia e de todas as formas de intolerância que, desde o desligare até o presente, esfacelam todos os seres de Pachamama.
Ou atingimos a inteligência emocional e espiritual, e a noção de espiritual aqui não tem relação com a espiritualidade das religiões, mas no sentido profundo do termo, ou pereceremos. Nesse âmbito, é possível recorrer ao que afirma Lester no livro “O futuro do capitalismo”: “em nenhum outro aspecto da vida, o horizonte de tempo do capitalismo é um problema mais agudo do que na área do ambiente global… O que poderia fazer uma sociedade capitalista sobre problemas ambientais de longo prazo, como o aquecimento global ou a redução da camada de ozônio?… Usando as normas de resolução do capitalismo, a resposta ao que deveria ser feito hoje para prevenir tais problemas é muito clara – não fazer nada. Por maiores que possam ser os efeitos negativos, daqui a cinquenta ou cem anos, o preço que se paga por provocá-los, no presente, é zero. Se o valor corrente das consequências negativas futuras é zero, então, segundo a lógica econômica vigente, nada deveria ser gasto hoje para prevenir que emerjam aqueles problemas distantes. Mas se os efeitos negativos forem muito grandes daqui a cinquenta ou cem anos, então será tarde demais para fazer qualquer coisa capaz de melhorar a situação, já que qualquer coisa a ser feita naquele tempo poderia somente melhorar a situação num futuro distante, de cinquenta ou cem anos. De modo que, se forem bons capitalistas, os que viverem no futuro também decidirão não fazer nada, não importa quão graves sejam seus problemas. Finalmente, chegará uma geração que não poderá sobreviver no ambiente alterado da Terra – mas a essa altura será muito tarde para fazerem qualquer coisa e prevenir sua própria extinção. Cada geração toma boas decisões capitalistas, embora o efeito em rede seja o suicídio social coletivo.”.
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Imagem: Arquivo da internet.
Qual o modus operandi na Reformulação Curricular do Ensino Médio no IFBA?
Caro/a leitor/a, como ativista socioambiental, envolvo-me com discussões amplas de análise acerca de vários temas, haja vista que as questões socioambientais são transdisciplinares. Feita essa elucidação, é importante esclarecer que a entrevista, a seguir, à primeira vista, parece não possuir relação direta com a sustentabilidade e com o meio-ambiente, no entanto, a partir de uma percepção mais apurada, é possível reconhecer que a discussão encontra, sim, intersecção com as temáticas socioambientais, dado que tudo está interconectado com a educação. Diante dessa concepção, resolvi entrevistar Igor Brandão, discente do 3º ano do curso técnico de/em Edificações do IFBA, para apresentar à população informações no tangente à proposta de implantação da Instrução Normativa para a Reformulação Curricular da Educação Profissional Técnica de Nível Médio no Instituto Federal da Bahia mostrando a percepção discente sobre o fato em baila.
Abaixo, segue a entrevista, especial para Desacato.info.:
Elissandro Santana:
Caro Igor Brandão, o Senhor pode discorrer sobre o que está acontecendo no Instituto Federal da Bahia, em especial, no campus de Eunápolis, acerca da reformulação dos cursos integrados de nível médio?
Igor Brandão:
Então, a proposta de reformulação foi feita em conjunto com a PROEN – Pró-Reitoria de Ensino, o DEPTNM – Departamento Profissional de Educação Técnica de Nível Médio, docentes, pedagogos e diretores, com a finalidade de integrar os cursos às cargas horárias redigidas em lei. Mas essa proposta não foi feita pensando na realidade de cada campus. Ao contrário, deu-se de forma fechada, sem a participação da comunidade, havendo sido imposta de forma arbitrária e ditatorial pelo reitor Renato Anunciação Filho, que a definiu como sendo uma “instrução normativa” – e não mais uma proposta a ser discutida – na Resolução 30 do Conselho Superior. Ou seja, é um pacote fechado de ideias que estão nos impondo.
Elissandro Santana:
Dessa forma, pode-se mencionar que o problema reside no fato de que o Instituto está pensando a questão de forma vertical e universalizando questões, sem levar em consideração os pressupostos e realidades de cada campus e região?
Igor Brandão:
Sim! Nós, estudantes, somos, sim, favoráveis à reformulação dos nossos cursos, mas, nessa proposta imposta, está contida uma série de fatores que não condizem com a nossa realidade. De acordo com a referida proposta, haverá o aumento de carga horária, e, ainda assim, teremos que sair do regime de 4 para 3 anos de duração de curso. Vejo como uma situação impossível, já que nós não temos estrutura para aguentar turmas nos dois turnos, com 7 ou 10 horários de aula por dia. Isso poderá acabar com vários setores de ensino do nosso Instituto, como a pesquisa e a extensão e a questão de estágio. Ademais, poderia, também, aumentar ainda mais a evasão de alunos, que é um dos motivos apresentados para a criação dessa instrução normativa, já que os cursos ficariam mais pesados.
Elissandro Santana:
Já houve alguma tentativa de diálogo com a direção do campus de Eunápolis e com a Reitoria, em Salvador, com vistas a mostrar que é inviável a mudança curricular da forma como está sendo feita, de maneira hierarquizante?
Igor Brandão:
Essa semana, tivemos a visita de duas técnicas da PROEN para que essa proposta fosse “discutida” através de oficinas. Mas isso soa como uma maquiagem que está sendo feita, pois como mencionado, já não é mais uma “proposta” e sim uma instrução normativa, ou seja, vai acontecer de uma forma ou de outra. E, ainda, segundo essa Resolução 30, a reformulação, do modo como está elaborada, deverá ser implantada em todos os campi a partir do ano que vem. Estamos passando por um momento de autoritarismo por parte do nosso Reitor, que faz as coisas sem consultar quem deve ser consultado. É realmente um mandato vertical e autocrático.
Elissandro Santana:
Quais os fatores insustentáveis na condução do processo de reformulação dos cursos de Ensino Médio do Instituto Federal da Bahia?
Igor Brandão:
Resolvemos iniciar o movimento estudantil, porque nos sentimos prejudicados. Nossa voz é a menos ouvida em toda essa situação.
Elissandro Santana:
O corpo discente está encontrando apoio do corpo docente no campus de Eunápolis no que tange à crítica ao modus operandi do processo de mudança dos currículos?
Igor Brandão:
Sim, os docentes estão apoiando o movimento. Ademais, estamos apoiando uns aos outros, para que nossa voz fique mais forte! Precisamos atingir a Reitoria, e, para alcança-la, temos um caminho a percorrer e vamos precisar também do apoio dos outros campi, já que essa mudança diz respeito a todos.
Elissandro Santana:
O Senhor acabou de mencionar a questão de atingir os outros campi, acerca disso, como pretendem fazer isso?
Igor Brandão:
Esse é um ponto complicado, já que nossos meios oficiais de comunicação são censurados. Então, estamos tentando mobilizá-los de todas as outras formas possíveis. Começamos com nossa manifestação essa semana, gravamos vídeos e pedimos que a imprensa local publicasse o que está acontecendo. Enfim, estamos coletando informações sobre como o assunto está sendo tratado em outros campi e temos, também, o SINASEFE contra o Reitor, que promove caravanas a Salvador-BA, quando ocorre alguma reunião mais importante como a que se realizará na semana que vem, dia 28 do corrente mês e ano. Como mencionado, é complicado, mas, desde a divulgação que fizemos da nossa manifestação, recebemos alguns comentários de apoio de docentes e alunos de outros campi, sendo assim, acho que já estamos saindo da zona eunapolitana para áreas maiores.
Elissandro Santana:
Sobre a carta aberta à comunidade local do IFBA Eunápolis e a carta aberta à Reitoria do Instituto Federal da Bahia, qual foi o posicionamento oficial?
Igor Brandão:
Durante a visita da PROEN, as duas foram lidas por nós, mas nenhum posicionamento por parte da direção do campus de Eunápolis e da Reitoria foi dado. O nosso diretor não tem ou não quer dar um posicionamento para dizer se é contra ou a favor. Quanto à Reitoria, não sei se a carta chegou por lá, porque como não podemos divulgar no site do nosso Instituto e não temos outro meio de comunicação direta, sem a ajuda da direção geral, a situação fica mais complicada.
Elissandro Santana:
Os discentes e docentes do campus de Eunápolis já recorreram a jornais e outros meios de comunicação da Bahia para o relato do que está acontecendo? Como a mídia noticiou os fatos?
Igor Brandão:
Estamos correndo atrás disso. Procuramos sites, rádios e até TV para nos ajudar, mas, até agora, só duas matérias foram publicadas, e uma delas foi completamente equivocada, ocultando os fatos.
Elissandro Santana:
Para fins de reiteração, pergunto o seguinte: o problema não é a mudança curricular dos cursos, mas o modus operandi na forma como foi pensado o projeto de reformulação e como isso está sendo feito?
Igor Brandão:
Sim, é isso! Nós queremos a reformulação sim, pois ela é necessária para a adaptação aos dias atuais. No entanto, os problemas maiores são o autoritarismo e a gestão antidemocrática do nosso Reitor. Não é a primeira vez que Ele impõe alguma mudança importante sem antes consultar a comunidade do IFBA. Sobre isso, temos o exemplo da implantação do ponto eletrônico, que foi motivo de greve no ano passado. Enfim, em relação à situação atual, mais uma vez tudo está sendo feito sem a devida democracia e, consequentemente, com a extrapolação dos limites de atuação.
Elissandro Santana:
Como a direção do campus de Eunápolis e a Reitoria do IFBA se comportam em relação a manifestações como as que os discentes estão fazendo no que tange à crítica à forma como está sendo feita a reformulação curricular nos cursos do Ensino Médio do Instituto?
Igor Brandão:
Corremos o risco de receber processos administrativos disciplinares, PAD, além do risco de expulsão sem motivo respaldado, pois, no ano passado, por questões de protestos, há casos de alunos que foram expulsos do campus de Camaçari. Então, é uma questão de “botar a cara no jogo” mesmo.
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Elissandro dos Santos Santana é especialista em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais. Ademais, é membro do Conselho Editorial da Revista Letrando.
Entrevista com Cíntia Glória Lima de Elissandro dos Santos Santana, para Desacato.info.
A interação com o Coletivo Geni começou por meio do contato com o grande ativista social LGBTqueer Ian Lopes de Jesus e com a ativista social LGBT Cíntia Glória Lima. A partir desse encontro, surgiu o convite para que eu fosse tecer discussões/considerações/informações acerca das intersecções entre sócio-meio-ambiente e movimento LGBT em Eunápolis, BA. Ao aceitar o convite, percebi que estava se iniciando a primeira de muitas discussões que, todavia, serão feitas em torno da relação movimento LGBT, ecologia-sócio-meio-ambiente, possibilitando, dessa forma, o fortalecimento de um movimento em construção na região que está sendo nominado/nomeado de coletivo sócio-homo-bi-feminista-trans-ecoambiental.
A roda de conversa sobre Ecologia Mental e Movimento LGTB foi tão impactante que achei importante entrevistar uma das líderes do movimento, Cíntia Glória Lima, com o objetivo de mostrar ao Brasil que a revolução é necessária e ela será colorida.
Abaixo, segue o corpus textual-discursivo da entrevista:
Elissandro Santana:
Cara Cíntia, a senhora poderia apresentar o Coletivo GENI LGBT?
Cíntia Lima:
O Geni é um coletivo LGBT horizontal, que visa a promover ações de empoderamento e de emancipação das minorias LGBTs por meio de políticas no campo institucional e não institucional.
Elissandro Santana:
Já que a Senhora nos apresentou o Coletivo, seria possível apresentar-se, mostrando sua relação com o movimento?
Cíntia Lima:
Minha relação com minha identidade sexual sempre foi bastante conflituosa, principalmente depois que me assumi lésbica. O Geni sempre foi para mim muito mais do que um campo político: é uma família. E me ajudou a lidar com isso de outra forma. Foi através da convivência com as pessoas que constroem o Coletivo que consegui e consigo resistir. Quando falamos da comunidade LGBT, falamos de lendas, de pessoas que não compram, não tem saúde, não constituem família e não envelhecem. Minha luta dentro do Coletivo é para que deixemos de ser lenda. Atualmente, além do Coletivo Geni, construo o campo de juventude Pajeú, além de ser filiada ao PSOL.
Elissandro Santana:
E como surgiu o Coletivo?
Cíntia Lima:
A ideia de um coletivo LGBT surgiu a partir de um texto de uma amiga no facebook; foi quando começamos a pensar a necessidade de materializar nossas reivindicações. Desde o início, sempre acreditei no potencial do Coletivo. Vale frisar que somos um coletivo horizontal, sendo assim, atuamos a partir de comissões. Atualmente, ocupo a comissão de comunicação e a secretaria.
Elissandro Santana:
A Senhora mencionou que como o Coletivo é horizontal, atua a partir de comissões e que, atualmente, ocupa a comissão de comunicação e a secretaria, mas gostaria de saber sobre o seu papel, de fato, no GENI.
Cíntia Lima:
Dentro da comissão de comunicação, juntamente com outros companheiros, alimentamos a página do Coletivo no facebook. Acreditamos no papel da internet na disseminação de informações e, a partir dessa ideia, desenvolvemos cartazes que sensibilizem as pessoas para a violência contra LGBTs no Brasil e no mundo. Geralmente, faço os cartazes a partir de matérias que são sugeridas pelo grupo, mas a construção da arte é feita com base na ideia de todos os membros. Chamamos esse tipo de atuação de cyber ativismo e a campanha que desenvolvemos no facebook de “O outro lado de arco-íris”. Estou encarregada, também, da sistematização das informações durante as reuniões e da postagem nos grupos. Nossas ações fora do campo virtual são construídas a partir dessas reuniões, e eu, como estou na comunicação, geralmente, fico encarregada de contatar os membros. Ademais, estive responsável, juntamente com Ian Lopes, pela produção das notas e pela prestação de contas ao coletivo.
Elissandro Santana:
Fale-me um pouco sobre os outros colaboradores do GENI.
Cíntia Lima:
O Geni é um coletivo novo, mas passamos por diversas dificuldades pelo fato de defender uma política LGBT em uma região tão conservadora como é o Extremo Sul da Bahia. Nesse processo, a experiência de Ian Lopes e sua visão madura sobre as situações sempre nos auxiliaram bastante. Douglas Tomé esteve conosco desde a primeira formação do coletivo, juntamente com Flávio Prates e Guilherme Campos. Carol Loba possui uma história de vida incrível e a presença dela nas reuniões sempre me encoraja bastante, pelo fato de ser uma mulher negra assim como eu. Edilson Santos entrou quase no mesmo período que Carol, no início de 2016, e foi o primeiro membro de Porto Seguro a ingressar no coletivo. Foi a partir de sua entrada e, posteriormente, a de Jasmin Zucotti que começamos a pensar que a municipalização do Coletivo não seria suficiente para nossas pautas e que seríamos mais fortes atuando na região. Julian Motta, Sandro Leite, Eva Santos, Igor Brandão, João Teles, Milena Versini, Juliano Rocha, Suelen Braga e Steffano Almeida são os membros mais novos que têm construído conosco no Coletivo.
Elissandro Santana:
O Geni costuma realizar palestras, cursos e rodas de conversa? Fale sobre o evento mais recente.
Cíntia Lima:
Inicialmente, focamos na formação interna do Coletivo, para que depois pudéssemos atuar nas bases. Tentamos trabalhar com cine debates nas escolas, mas, devido à homofobia presente no âmbito escolar, não conseguimos. O primeiro grande evento que conseguimos realizar foi o Sarau LGBT “Quem tem medo de Homofobia? Artivismo Político”, realizado em parceria com o Viola de Bolso. Após isto, tivemos a ideia de realizar um dia de atividades que fugisse da institucionalidade das mesas e das formações políticas para que todos pudessem se sentir à vontade para expor suas ideias. Assim surgiu a I Limonada LGBT. O nome veio do companheiro Douglas Tomé, mediante a avaliação de vários outros nomes. A palavra “Limonada” remete ao período da escravidão, no qual os negros acreditavam que tomar limonada poderia embranquecê-los. Partindo disso, houve a ressignificação para a comunidade LGBT, fazendo cotejos com a tal cura gay dos grupos conservadores. Pensamos em ampliar os debates, mostrar que não somos apenas uma gaveta e que estamos inseridos em um contexto social muito mais amplo e como essas questões se relacionam conosco. Pensando, então, nos debates acerca das (sobre)vivências, ecologia, movimento feminista, teoria queer e movimento negro.
Elissandro Santana:
Acerca do I Limonada, quais as maiores contribuições que o evento propiciou?
Cíntia Lima:
A construção de uma confiança maior ainda entre nós, principalmente, através dos relatos de vivências e a aproximação de novos membros. Mas, sem dúvida, as maiores contribuições foram os esclarecimentos acerca da política de saúde integral LGBT, o debate acerca da Ecologia Mental e da teoria queer.
Elissandro Santana:
Sobre políticas de saúde e teoria queer, de imediato, percebe-se uma relação com o GENI, mas acerca do movimento socioambiental, o que o Coletivo pensou ao convidar-me para uma roda de conversa?
Cíntia Lima:
A indicação partiu de minha pessoa após ler o texto “Ecologia Mental: uma arma sustentável contra a homofobia e contra a intolerância”, escrito por você e por mais dois autores, Denys Henrique R. Câmara e Rosana dos Santos Santana. Achei incrível o fato de dois campos, aparentemente desconexos, encaixarem-se tão perfeitamente. Levei isso para a reunião organizativa em que iríamos planejar a ação, quando houve o estranhamento em torno do tema por parte de algumas pessoas, mas quando Ian Lopes explicou as intersecções, não houve mais contradições. Admito que fiquei curiosa e ansiosa para o debate e que isso também ocorreu com outras pessoas.
Elissandro Santana:
Ao final da roda de conversa sobre Ecologia Mental, quais foram as impressões e os resultados verificados nos imaginários dos participantes?
Cíntia Lima:
A ligação entre o mundo e nossa mente. Passamos a conceber o mundo como uma soma de estímulos em que nosso organismo interage. A sustentabilidade foi compreendida como um conceito além do estanque meio-ambiente. Acredito que o que mais despertou nossa atenção foi o conceito de “ecologizar” mentes. “Ecologizar” pensamentos estaria relacionado com a nossa forma de pensar o mundo, no sentido de desconstruir nossos pré-conceitos. Isso se torna mais amplo ainda se pensarmos o homem enquanto sujeito dialógico, formado por elementos biológicos, culturais, políticos, históricos e sociais.
Elissandro Santana:
A partir dessa primeira discussão em torno da Ecologia Mental, o GENI já começa a pensar práticas socioambientais na região, para não ficar somente no campo discursivo?
Cíntia Lima:
Temos em nosso horizonte estratégico o objetivo de atuar nesse sentido, mas, nesse momento, estamos focando em nossa formação política nessa área, através da leitura de textos e dos livros que você indicou.
Elissandro Santana:
Qual avaliação geral faz do I Limonada e quando pretende realizar outro evento nesse âmbito?
Cíntia Lima:
Foi sem dúvida um acontecimento de caráter histórico e singular para nós. Estamos nos organizando para realizar outro evento no dia 6 de agosto, no Centro de Cultura de Porto Seguro. Estamos aguardando a confirmação do local.
Elissandro Santana:
De que forma a Senhora acha que o GENI poderá ajudar, de forma concreta, a comunidade LGBT em Eunápolis, Porto Seguro e em outras cidades do Extremo Sul da Bahia?
Cíntia Lima:
Nossa principal pauta é o combate à violência contra os LGBTs. O extremo Sul da Bahia é uma das regiões mais violentas contra essa comunidade no Brasil, por isso, temos como objetivo a garantia da discussão do tema em escolas, universidades e demais espaços como forma de combate à violência. Somado a isso, pensamos em projetos em convênio/parceria com as prefeituras da região com vistas a ofertar cursos de formação para capacitar professores a partir da inclusão de temas relativos a gênero e sexualidade nos currículos escolares. E, por fim, a garantia de serviços de atenção médica e psicológica à população LGBT, por meio de projetos elaborados entre a UNESUL e a UNEB.
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Elissandro dos Santos Santana: especialista em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais e Membro do Conselho Editorial da Revista Letrando.
A situação ambiental dos rios da Orla Norte de Porto Seguro-Bahia
Por Elissandro dos Santos Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.
Na imagem acima, retirada do documento “Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica de Porto Seguro”, é possível visualizar a hidrografia principal da cidade, mas o que muitos não sabem é que a situação ambiental de muitos rios do município é crítica.
Nos últimos artigos em torno das insustentabilidades e caminhos possíveis para um turismo sustentável em Porto Seguro, discorri sobre os principais déficits socioambientais originados a partir das relações predatórias paradoxais da indústria do turismo com o capital natural que propicia o desenvolvimento das atividades turísticas na região. Nessa oportunidade, apresentarei alguns dos problemas que afetam os rios do perímetro da Orla Norte, compreendido entre o Rio da Vila e o Rio dos Mangues, partindo-se do pressuposto de que esses cursos de água são atrativos naturais que embelezam a cidade, fazem parte da biodiversidade natural-ambiental, e que poderiam ser utilizados, de forma sustentável, para atrair ainda mais turistas para a região.
No tangente à situação ambiental dos rios da Orla Norte, pode-se encontrar intersecção entre poluição, desgaste ambiental e turismo, mas, nesse caso específico, o principal elemento desencadeador do problema reside na relação cultural dos habitantes que residem no município e no comportamento de algumas empresas que atuam na cidade.
Dentre os cursos de água no perímetro da Orla Norte, talvez, o que esteja em situação mais degradante seja o Rio da Vila. Acerca desse rio, há relatos e matérias em jornais da cidade, como o Jornal do Sol, que trazem à tona denúncias no tocante a crimes ambientais contra o rio, como o que ocorreu no ano de 2015.
Conforme pontuou o Jornal do Sol, em matéria publicada em 26 de março de 2015, “Esgoto da Embasa vaza para o Rio da Vila”, o histórico Rio da Vila, importante fonte de água limpa em Porto Seguro, continua sua crônica de uma morte anunciada. Mais uma vez, ele foi agredido com o vazamento, dia 23/03/15, de uma grande quantidade de esgoto da Embasa. De acordo o secretário municipal de Meio Ambiente, Bené Gouveia, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente tomou todas as medidas cabíveis, incluindo a aplicação de multa de R$ 300 mil a Embasa e o encaminhamento de processo para o Ministério Público.
Ainda conforme o referido periódico, na mesma matéria, pontuou-se que a Embasa disse em nota que o vazamento havia ocorrido devido à falta de energia elétrica e que para o secretário municipal do Meio Ambiente, o argumento não justificava esse tipo de falha. Conforme o secretário, “A Embasa cobra caro pelo serviço e 80% da conta de água são relativos à taxa de esgoto. A empresa precisa rever seus conceitos de operação em todas as subestações, que devem possuir geradores e bombas reservas”.
Abaixo, aparece uma foto do Rio da Vila, publicada na matéria do referido jornal:
Assim como a matéria do Jornal do Sol em 2015, há outras matérias em outros periódicos, do mesmo ano, de anos anteriores e até de 2016, acerca da situação ambiental de rios da região, como o Buranhém, por exemplo, que não está no perímetro aqui analisado, mas que é o principal rio que passa pela cidade e que vem sofrendo, ao longo de anos, um grave processo de poluição e degradação ambiental em geral.
Além da situação ambiental do Rio da Vila, para a elaboração de projeto de pesquisa, por conta de uma seleção de mestrado que participaria, ao longo de 2014 e 2015, in loco, verifiquei nos Rios São Francisco, Mundaí e dos Mangues a presença de resíduos sólidos e líquidos poluidores. Pese a este fato, a questão do mau cheiro que em alguns dias, durante a pesquisa de campo, pode-se sentir. O mau cheiro, talvez, se dê ao lançamento de esgotos domésticos e de outros tipos, por conta da urbanização descontrolada e desordenada da cidade ao longo de parte do percurso dos rios, o que não foi possível corroborar sem a análise da qualidade da água, mas a questão da degradação é bastante visível nos referidos espaços.
Em todos os rios citados, pode-se verificar a presença, dentro e na margem, de garrafas pets, litros de vidro, latas de cerveja, cadeiras plásticas, sacolas plásticas, pedaços de móveis de madeira e de metal, sapatos, suportes plásticos de TVs antigas, roupas, dentre outros resíduos sólidos, revelando a relação insustentável da sociedade porto-segurense com os recursos hídricos da cidade.
Para pensar essa relação insustentável da sociedade com o capital hídrico analisado, é possível fazer ponte desse problema com o que pontua Queiroz (2006), quando este afirma que no entendimento dos antropólogos, o ambiente em que vivemos é duplo, a um só tempo natural e cultural, sem que talvez se possa afirmar em qual desses domínios as nossas raízes são mais profundas.
Silva e Fernandes (2005), no artigo “Turismo, desenvolvimento local e pobreza no município de Porto Seguro – BA” ao apresentarem uma crítica ao processo de ocupação de Porto Seguro, de forma desordenada, a partir do turismo de massa, tocam na questão dos rios quando pontuam o seguinte: além da destruição dos ecossistemas, o processo de ocupação alterou grande parte das paisagens mais próximas a Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália, comprometendo irreversivelmente a sua beleza e atratividade. O crescimento populacional exponencial e a pressão demográfica sazonal dos turistas vêm gerando graves problemas de saneamento, ocasionando inúmeros depósitos irregulares de lixo e a poluição dos lençóis freáticos, cursos de água, e consequentemente, das praias mais frequentadas pelos banhistas.
Constata-se que a situação dos rios no perímetro da Orla Norte de Porto Seguro não é nada regular e que a sociedade e a gestão pública municipal fecham os olhos para a situação. A sociedade tem sua parcela de culpa pelo depósito de resíduos e pela retirada da cobertura vegetal às margens dos cursos de água para a construção de condomínios e casas, em geral, e a gestão pública municipal, pela situação de inércia, descaso e inoperância, pois diante da degradação ambiental nos espaços aqui apresentados, deveria desenvolver planos de recuperação dos cursos de água no referido perímetro da orla do município, mas pouco ou nada fora feito. Além disso, faltam políticas públicas eficientes de educação ambiental na cidade para a sociedade, pois de nada adiantará recuperar os rios, se não houver mudança na arquitetura mental societária porto-segurense na relação com o capital natural hídrico.
A degradação desses risos não é recente, mas fruto de um processo histórico, portanto, a inércia da gestão pública em torno de projetos de mitigação ambiental que possam solucionar o problema não é somente da gestão pública atual, mas de vários gestores municipais ao longo de anos.
Enfim, essa história de descaso municipal em torno dos rios do Perímetro da Orla Norte e em outras partes do município somente mudará quando for eleito em Porto Seguro um gestor ou uma gestora municipal com uma visão socioambiental sustentável, que leve em conta um projeto de governo de respeito à biodiversidade ambiental e desenvolva políticas de justiça socioambiental.
SILVA, Marcelo Santana. FERNANDES, Fábio Matos. Turismo, desenvolvimento local e pobreza no município de Porto Seguro – BA. Revista Espaço Acadêmico, N. 51. Agosto/2005, Mensal, ISSN 1519-6186.
QUEIROZ, Renato da Silva. Caminhos que andam: os rios e a cultura brasileira. InREBOUÇAS, Aldo da Cunha. BRAGA, Benedito e TUNDISI. José Galizia. Águas doces no Brasil: capital ecológico, uso e conservação. São Paulo: Escrituras Editora, 2006.
Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica de Porto Seguro
Roda de conversa sobre Ecologia Mental no Coletivo GENI LGBT
Por Elissandro dos Santos Santana, Bahia, para Desacato.info.
O movimento sócio-homo-bi-feminista-trans-ecoambiental está ganhando força e corpo em Porto Seguro e Eunápolis, duas importantes cidades do Extremo Sul da Bahia, por meio do Coletivo GENI LGBT.
O referido Coletivo alicerça-se nos seguintes princípios e valores: promover ações de visibilidade e de empoderamento da comunidade LGBT e de outras minorias da região. Direciona-se à luta pelo fim do preconceito dos diversos seguimentos societários no que tange às identidades étnicas, de gênero e de sexualidade, reconhecendo a importância da união, da coragem e da liberdade no processo de mudança de consciência, de sensibilidade e, principalmente, de atuação em sociedade.
O GENI busca a desconstrução e a superação de todas as formas de estigmas, dentro e fora do coletivo, via promoção de atividades de apoio mútuo e de conscientização das minorias, valendo-se do compartilhamento de informações e de vivências como estratégias de formação, enxergando nas diversas formas de conhecimento fortes aliadas para a integração social.
O Coletivo busca apontar soluções que garantam o direito ao afeto e à autonomia dos corpos-cidadãos, compreendendo a expressão das identidades sexuais como direito que precisa ser garantido pelo Estado e por todos os aparelhos ideológicos, em especial, por aqueles institucionalizados. Nesse percurso de luta, desenvolve políticas educativas e promove a integração da população LGBT na sociedade por meio da luta por direitos básicos como trabalho, dignidade, moradia, saúde e educação.
Também faz parte dos objetivos do GENI estabelecer diálogos com as diferentes formas de expressão e de identidades sexuais. Por fim, o Coletivo visa a alcançar o respeito, o reconhecimento e a visibilidade da sociedade, garantindo a igualdade de direitos, de oportunidades, da expressão das identidades e a realização dos afetos.
Feita a apresentação do Coletivo, cabe destacar que nos dias 16 e 17 do corrente mês e ano, ele realizou o evento “I Limonada” no qual apresentou os seguintes eixos de discussão: relações entre LGBT com a Democracia, o Socioambiental, a Saúde, a Teoria Queer e o Movimento Feminista.
Segundo os/as elaboradores/as do evento, Limonada possui relação discursiva, histórica e política direta com o período escravocrata, no qual as populações negras escravizadas acreditavam que a limonada possibilitava o clareamento da pele. A escolha do nome do evento deu-se a partir da sugestão de Douglas, sendo acatada por todos/as os/as elaboradores/as do evento, Cíntia Glória Lima, Ian Lopes de Jesus, Caroline Souza e Edilson de Jesus Santos. Para tanto, partiram de indagações como: na identidade sexual e sua diversidade, qual pessoa do universo LGBT nunca buscou sua limonada materializada nas promessas da cura gay? Ademais, eles levaram em consideração fatos como: a violência contra a comunidade LGBT é tão cruel e tão cínica que se ramificou na sociedade e se dogmatizou. Também se arvoraram nas seguintes hipóteses: se a sexualidade já é marginalizada, destruidora da “moral e dos bons costumes”, assumir qualquer outro “desvio de conduta” é tomar para si o estigma do não humano.
Cada temática discutida no Coletivo provocou inquietação em cada participante e a minha ida ao movimento para tecer considerações acerca do artigo publicado em parceria com Denys Henrique Rodrigues Câmara e Rosana dos Santos Santana na Revista Ecodebate e republicado no Jornal Desacato e em outros meios de comunicação na rede, “Ecologia Mental: uma arma sustentável contra a homofobia e contra a intolerância.”, mostrando a relação direta entre ecologia, movimento socioambiental e comunidade LGBT provocou aquilo que se chama catarse.
Para a compreensão apurada das intersecções possíveis entre Meio-Ambiente, Sociedade, Ecologia e Movimento LGBT foram elencados os seguintes pontos:
É tempo de ecologizar nossa arquitetura mental para uma ecologia da mente, pois somente assim será possível atingir a ecologia integral.
É preciso desconstruir a cultura do machismo para aniquilar a cultura da destruição ambiental.
Faz-se imprescindível discutir a relação destruição ambiental versus machismo, em suas bases e origens.
Necessidade de discorrer sobre a relação do homem com a natureza antes e depois do nascimento da ciência.
O machismo é não ecológico e desencadeia direta e indiretamente males como o racismo, a homofobia e todas as formas de intolerância.
À medida que aprofundava as discussões, houve a oportunidade de apresentar teóricos como Leonardo Boff, James Lovelock, Fritjof Capra, Rachel Carson, entre outros, com vistas a possibilitar o entendimento de que somos parte da terra e com ela interagimos na grande teia da vida.
Para provar a relação de causa-feito entre a degradação ambiental com arquiteturas mentais sociais insustentáveis de pensar as relações com a terra, recorreu-se a Boff 2015, quando ele pontua o seguinte: o estado do mundo está ligado ao estado de nossa mente. Se o mundo está doente é indício de que nossa psique também está doente. Há agressões contra a natureza e vontade de dominação porque dentro do ser humano funcionam visões, arquétipos, emoções que levam a exclusões e à violência. Existe uma ecologia interior, bem como uma ecologia exterior que se condicionam mutuamente.
A partir desse ponto, corroborou-se que é impossível haver sustentabilidade se não houver a sustentabilidade da mente, pois somente diante disso viabilizar-se-á a concretização da ecologia da mente para a ecologização de todas as práticas e saberes. Que com a ecologização dos saberes haverá a derrota do machismo que concebe a Terra como a grande fêmea a ser vilipendiada e sugada em todos os aspectos.
O encontro com o Coletivo encerrou-se a partir das seguintes considerações feitas por Santana et al(2016):
A Ecologia Mental é um instrumento que possibilita a higiene mental e, diante disso, viabiliza-se a quebra de preconceitos.
A partir da higiene mental, um dos matizes da Ecologia Mental, o novo ser humano empodera-se e coloca em prática o que pontua Torán (2014):aceita o desafio de ser consciente das diferentes formações mentais (pensamentos, emoções, imagens e sons mentais, e sensações físicas associadas, que normalmente se cruzam e atuam sem serem reconhecidas, e sem que seja capaz de separá-las em seus diversos componentes). Permanece alerta antes de pensamentos e emoções tóxicas que possam danificar às outras pessoas e a si mesmos. Adquire consciência de que o ego se esconde atrás de todos os conteúdos tóxicos que a própria mente é capaz de gerar e trabalha arduamente para ser consciente disso e não se deixar levar pelas armadilhas. Aceita a oportunidade de responder em vez de reacionar. Ante um estímulo, não se permite responder automaticamente, como se fosse um robô. Torna-se cônscio de que reacionar pode gerar vários danos. Torna-se responsável por responder de uma forma mental e emocionalmente ecológica, com a consciência de que as próprias ações beneficiarão a todos e não somente aos próprios interesses. Assegura-se de que as próprias ações não causarão danos nem a si mesmo nem a ninguém, no presente e no futuro. Aceita a tarefa de trabalhar para o crescimento pessoal, eliminar hábitos negativos e adquirir qualidades que possam beneficiar a todos. Por fim, toma a responsabilidade de dirigir a própria vida, dando-lhe sentido, rumo e valores, criando caminhos que permitam chegar aos objetivos.
A Ecologia Mental, por meio da higiene da mente, contribuirá para que o ser humano faça a reforma do pensamento e desconstrua a arquitetura de desrespeito à diferença. Acerca da necessidade da reforma do pensamento, é profícuo apoiar-se no que afirma Morin (2003) quando ele diz que todo conhecimento constitui, ao mesmo tempo, uma tradução e uma reconstrução, a partir de sinais, signos, símbolos, sob a forma de representações, idéias (sic), teorias, discursos. A organização dos conhecimentos é realizada em função de princípios e regras que não cabe analisar aqui; comporta operações de ligação (conjunção, inclusão, implicação) e de separação (diferenciação, oposição, seleção, exclusão). O processo é circular, passando da separação à ligação, da ligação à separação, e, além disso, da análise à síntese, da síntese à análise. Ou seja: o conhecimento comporta, ao mesmo tempo, separação e ligação, análise e síntese.
Diante da nova arquitetura mental que se reforma e se renova, arvorada nas necessidades sociais, sustentável nas bases, fatos como o de Orlando ficarão, somente, na memória e, dessa forma, a história despontará como campo de reflexão para orbitar o passado com vistas à construção de futuros de esperança, com a destituição da cultura da homofobia-machismo-racismo-intolerância.
Para finalizar a discussão, discorri sobre as dez características do paradigma emergente para o novo mundo apresentado por Boff no livro “Ecologia, grito da Terra, grito dos pobres, dignidade e direitos da Mãe Terra” e mostrei a importância do movimento ecofeminista para um Planeta mais sustentável. Ademais, indaguei a todos/as os/as presentes se nunca haviam pensado na hipótese de que todas as minorias são uma resposta da própria terra em busca da sustentabilidade da existência, pois a revolução, ao que tudo indica, será, de fato, colorida.
Referência bibliográfica
BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres: dignidade e direitos da Mãe Terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
SANTANA, Elissandro dos Santos et al. Ecologia Mental: uma arma sustentável contra a homofobia e contra a intolerância, Revista Ecodebate, Rio de Janeiro, ISSN 2446-9394, nº 2.547, 14/06/2016.
TORÁN, Félix. Ecologia Mental para Dummies. Barcelona: Grupo Planeta, 2014.
Eissandro Santana é especialista em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais e Membro do Conselho Editorial da Revista Letrando, ISSN 2317-0735.
Fonte: foto modificada a partir do livro “Pegada ecológica: qual é a sua?”, INPE.
[EcoDebate] Nos artigos “Sugestão de pesquisa em torno das ações insustentáveis e déficits socioambientais no turismo de Porto Seguro – Bahia”, “Ações insustentáveis no turismo de Porto Seguro – Bahia” e “Caminhos possíveis para um turismo sustentável em Porto Seguro – Bahia”, o primeiro, publicado na Revista Letrando e os segundo e terceiro no Portal Ecodebate, são feitas discussões importantes em torno das principais ações insustentáveis praticadas nas atividades turísticas na cidade de Porto Seguro desencadeadoras de déficits socioambientais.
No primeiro artigo mencionado, dentre outras questões, pontuou-se que o turismo em Porto Seguro está alicerçado em moldes hegemônicos de desenvolvimento em dissociação com o meio ambiente, através de modelos de produzir sob o efeito da arquitetura aristotélica bipolar não complexa que maturou o cartesianismo de causa e efeito da modernidade.
No que tange ao artigo “Ações insustentáveis no turismo de Porto Seguro – Bahia” apresentam-se partes das ações insustentáveis operadas a partir do turismo cartesiano na cidade. No referido trabalho, afirma-se que frente às condições socioeconômicas frágeis, os atores sociais envolvidos com o turismo em Porto Seguro desenvolveram práticas exploratórias do capital natural e essa concepção também aparece no discurso do turista que concebe a região como pacote-objeto a ser consumido. A partir do consumo/exploração, o que deveria ser espaço de troca cultural, histórica e de convivência com a natureza, converte-se em relações depredatórias que vão desde a poluição de praias e rios com resíduos sólidos, à depredação de recifes em decorrência da presença não controlada de pessoas nessas áreas de ampla biodiversidade marinha, à irresponsabilidade de gestores públicos em relação a lacunas no tangente a políticas de educação ambiental, além da ausência da aplicação de legislação ambiental, planejamento e zoneamento ambiental para a cidade.
No que concerne ao artigo “Caminhos possíveis para um turismo sustentável em Porto Seguro, Bahia”, de forma otimista, diferente dos artigos anteriores, externa-se que outro turismo é possível, mas, para isso, são necessários investimentos em políticas públicas relacionadas à educação ambiental na cidade, com vistas à conscientização socioambiental não somente dos cidadãos que atuam diretamente no turismo, mas, também, dos moradores da cidade e, principalmente, dos turistas que visitam Porto Seguro e toda a Costa do Descobrimento.
Feitas as considerações acima, torna-se imprescindível mencionar que o turismo é o principal elemento da matriz de produção, geração de trabalho e renda em Porto Seguro, no entanto, sua exploração na cidade ancora-se em pilares insustentáveis de uso dos espaços dos quais se vale. Consoante a tal fator, Santana (2016) pontua o seguinte: a cidade alicerça-se em perspectivas exploratórias com a natureza, o que é paradoxal, haja vista que em vez de conservar e preservar os recursos naturais dos quais se serve, apropria-se, de forma inadequada, dos ambientes naturais e culturais. Essas apropriações propiciam insustentabilidades que vão desde a transfiguração dos espaços de lazer, dos espaços de cultura e história, concentração de riquezas, especulação imobiliária, segregações espaciais, degradação de matas ciliares ao longo de rios e riachos, depósito de resíduos sólidos em praias, despejo de esgotos no mar, destruição de expressões culturais e históricas, exploração da mão de obra, distanciamentos sociais e violência.
As transfigurações dos espaços pelo turismo na cidade servem como ponto de partida para análises em torno das pegadas ecológicas da atividade turística no município. A compreensão desse fenômeno possibilitará um mapeamento das práticas turísticas e de seu modus operandi permitindo avaliar até que ponto os espaços utilizados no município se dão de forma racional e equitativa.
As pegadas ecológicas não se dão somente no âmbito da destruição de espaços utilizados para a exploração das atividades turísticas, mas em toda a arquitetura de pensar o turismo e como isso se concretiza no cotidiano dos estabelecimentos e empresas que exploram o potencial turístico da cidade e região.
Para medir as pegadas ecológicas do turismo, um dos mecanismos de avaliação é analisar a pegada hídrica. No que concerne a essa pegada ambiental, por exemplo, além de outras tipologias de pegadas, há que se levar em conta não somente o consumo real dos recursos hídricos em estabelecimentos como restaurantes, hotéis, parques aquáticos, espaços naturais como rios, lagos, lagoas e praias, mas, também, o consumo virtual da água pelo turismo. Além do consumo hídrico direto, há o consumo virtual, que vem embutido nos elementos físicos por trás dos processos na fabricação dos utensílios que são usados pelos estabelecimentos turísticos na cidade. Esse consumo virtual nos estabelecimentos atinge desde a comida até os utensílios de higiene, dente outros. Na fabricação das toalhas que são disponibilizadas pelos hotéis, pousadas e outros estabelecimentos, por exemplo, são gastos muitos litros de água. Em um quilo de carne bovina, elemento alimentício bastante utilizado nos estabelecimentos turísticos, dado que o brasileiro possui a cultura do consumo de carne bovina, são gastos, pelo menos, 15.400 litros de água, segundo dados da Water Footprint Network.
Para entender os déficits socioambientais provocados pelo turismo em Porto seguro, é possível fazer uma ponte com o que afirmam SANCHO et al. 2001; ANDRADE; BELLEN, 2006 apud Feitosa e Gómez (2012): como alerta aos atores sociais que dão ênfase apenas a aspectos positivos do turismo, a exemplo do crescimento econômico decorrente do mesmo, destacam-se também os impactos negativos provenientes do uso imprudente dos recursos naturais. O desenvolvimento da atividade turística provoca os seguintes efeitos negativos no meio ambiente: impactos estéticos e paisagísticos causados pela poluição arquitetônica; problemas com recolhimento, depósito e tratamento de lixo e esgoto; deficiência nos sistemas de tratamento de água; poluição sonora e atmosférica originada pela saturação das vias de trânsito e erosão decorrentes da prática de esporte nos destinos.
Conforme HUNTER, 2002 apud Feitosa e Gómez (2012): os impactos ambientais do turismo não estão vinculados apenas à realização da atividade turística no destino, mas iniciam ainda no local de onde o turista provém, transcorrendo durante o percurso da viagem e se intensificando após a chegada ao destino turístico. Nesse sentido, o impacto do turismo pode ser visualizado desde a zona emissora, passando pela zona de trânsito, até chegar à zona receptora.
Ainda segundo HUNTER, 2002 apud Feitosa e Gómez (2012): a partir do momento em que o turista decide viajar, começa a gerar impactos nos recursos naturais, visto que dá início ao consumo de produtos e à geração de resíduos. Nessa perspectiva, Hunter (2002) exemplifica dizendo que, ao decidir realizar uma viagem, o turista compra alimentos e roupas, sapatos, câmera fotográfica etc. Além disso, se desloca em automóvel até o aeroporto/porto/rodoviária, para embarcar no avião/navio/ônibus.
Partindo-se das posições teóricas apresentadas até este ponto, para continuidade textual, serão feitas análises em torno de algumas pegadas ecológicas que o turismo deixou, deixa e deixará em porto Seguro. No entanto, antes de apresentar uma análise das pegadas ecológicas do turismo no município, é oportuno elaborar uma discussão conceitual e exemplificativa acerca do que seria essa tal Pegada Ecológica.
Segundo Scarpa e Soares (2012), Pegada Ecológica é uma medida da área (em hectares globais, que abrangem terra e mar) que ocupamos para a construção de prédios e rodovias e para o consumo da água, do solo para plantio agrícola, da vida marinha e de outros elementos que compõem a biodiversidade do planeta.
A partir de Scarpa e Soares, é possível perceber que para a obtenção da Pegada Ecológica devem ser consideradas a emissão de gases de efeito estufa (principalmente o gás carbônico CO2) na atmosfera e a presença de poluentes no ar, na água e no solo. Conforme tais teóricos, os resultados nos dão uma ideia de como um indivíduo, cidade ou país utiliza os recursos naturais, conforme os hábitos de consumo e estilos de vida. Esse uso de recursos deve ser compatível com a capacidade natural do planeta em regenerá-los.
Ainda segundo eles, geralmente não nos damos conta, mas hábitos aparentemente simples consomem grandes quantidades de recursos naturais. Para explicarem os tais hábitos, apresentam os seguintes dados:
Levando-se em consideração os marcos teóricos apresentados acima, infere-se que, para uma análise acerca da pegada ecológica de uma determinada pessoa, cidade ou, até mesmo, de uma determinada atividade, há que se verificar os seguintes quesitos: consumo de água, preservação e conservação da biodiversidade, emissão de gases de efeito estufa, consumo de energia e poluição atmosférica, produção e destinação do lixo, dentre outros fatores.
Partindo-se dos quesitos acima para a análise das pegadas ecológicas do turismo de Porto Seguro, podem ser levantados os seguintes problemas na cidade:
Exploração de áreas naturais sem preocupação socioambiental, visando-se, em maior medida, ao capital;
Crescimento no número de turistas, que somado aos mais de 143.000 moradores locais, acarreta consumo maior de água;
Esgotamento dos recursos hídricos, fato que pode ser comprovado a partir da falta de água em alguns bairros da cidade durante datas festivas que atraem visitantes do Brasil e do mundo;
Aumento da frota de veículos na cidade, por conta do número de turistas, fator que dificulta a mobilidade urbana;
Ausência do poder público no que concerne à elaboração de um projeto de mobilidade urbana que atenda aos moradores locais e comporte também os períodos de crescimento populacional com a chegada de turistas;
Exploração de áreas de recifes sem o controle e a fiscalização ambiental devido;
Oferta precária de serviço público de transporte coletivo urbano, fator que estimula o aumento da frota de carros particulares e, consequentemente, mais lançamento de gases poluentes, violência e desorganização no trânsito, tendo em vista que as ruas, avenidas e travessas da cidade não foram projetadas para o crescimento atual da frota e da população que circulam na cidade;
Além do aumento da frota automobilística por parte dos moradores locais, para agravar a situação, há o aumento de lançamento de CO2, bem como de outros gases de efeito estufa com o crescimento da frota automobilística por conta dos turistas que chegam à cidade com carro próprio pelas vias terrestres;
Precarização dos serviços na área de alimentos (com o aumento no número de pessoas nos supermercados da cidade), na saúde (com o inchaço das instituições públicas de atendimento à saúde, em decorrência do consumo de bebidas alcóolicas e violência em dias festivos), filas longas na travessia de balsas do centro da cidade para o Arraial d’Ajuda e para outros distritos, dentre outros;
Especulação em torno dos preços dos produtos e serviços nos supermercados e estabelecimentos comerciais da cidade, o que é injusto socialmente, tanto para os visitantes, como, principalmente, para os moradores locais;
Aumento do consumo de energia, tendo em vista o acréscimo populacional a partir da população flutuante;
Arquitetura mental não ecológica de muitos turistas ancorados em concepções da cidade como um pacote, objeto a ser consumido;
Crescimento populacional permanente da cidade, em decorrência da imagem de paraíso que a mídia tradicional projeta nos meios de comunicação e nas agências de turismo;
Aumento da violência com o crescimento populacional desordenado;
As pessoas oriundas de outras cidades da Bahia, ao chegarem à cidade, na maior parte das vezes, não se inserem no mercado de trabalho;
Crescimento no número de condomínios na cidade, a partir da lógica do desmatamento, acarretando na morte de rios, riachos e perda de biodiversidade em geral; surgimento de condomínios em áreas verdes próximas às aldeias de indígenas;
Crescimento urbanístico horizontal desordenado;
Pavimentação asfáltica de parte da cidade, sem estudos de impacto ambiental profundos no que tange à formação de ilhas de calor na cidade, tudo voltado para dar a impressão ao visitante de que a cidade está se modernizando, o que é um erro de mão dupla, pois além dos déficits ambientais que o asfalto pode provocar, há a descaracterização do urbanismo histórico revelador de memórias dos primeiros processos de formação da cidade;
O inchaço do setor hoteleiro, área que mais emprega mão de obra na cidade, pois este não consegue absorver nem a população local e, tampouco, os contingentes populacionais procedentes de outras partes do Estado;
A não inserção no mercado de trabalho dos moradores e das pessoas de outras partes do Estado e do país que desencadeia uma série de problemas como violência, fome e miséria;
Com o crescimento populacional, vem o crescimento urbanístico, com a destruição de áreas naturais;
Falta de legislação em torno do zoneamento urbano em consonância com os novos estudos urbanísticos sustentáveis;
Plano de Desenvolvimento Urbano Municipal que não permite o crescimento vertical, contribuindo, dessa forma, para o crescimento horizontal seja elaborado a partir da degradação de áreas florestais do Bioma Mata Atlântica;
Surgimento de bairros periféricos, sem as condições higiênico-sanitárias e de serviços públicos essenciais à dignidade dos moradores locais;
Outros fatores.
Todos os fatores apresentados acima são preocupantes, pois, ao longo do tempo, podem ser ampliados. Diante disso, são necessários estudos científicos que mapeiem e analisem, com profundidade, as consequências socioambientais originadas a partir do turismo insustentável que vem sendo praticado e pensado na cidade. Alguns dos problemas verificados em Porto Seguro e região, ainda que não possuam relação direta com o turismo insustentável praticado na cidade, possuem intersecção indireta.
É importante pontuar que o turismo não é o problema em si, mas a lógica projetada para a prática desse tipo de turismo na região, pois, da forma como está, se assemelha, de forma profunda, com as práticas predatórias da natureza dos primeiros visitantes europeus, nossos primeiros turistas que aportaram na cidade e na região em 1500.
É necessário e urgente repensar as práticas em torno do turismo na cidade, para que, assim, toda a sociedade e o meio ambiente no qual ela se insere saiam ganhando. O Turismo, principal atividade econômica da cidade, precisa descolonizar-se em suas bases, pois somente na ausência de práxis e de ações descolonizadas será possível possibilitar a justiça socioambiental, a partir de um turismo para todos e não somente para os donos do capital que exploram as atividades turísticas na região sem as compensações socioambientais necessárias.
Outro ponto importante é que é preciso diversificar as atividades de produção e desenvolvimento econômico na região, pois diante da exploração somente de uma atividade, pode-se esgotar a única matriz de produção. Enfim, reiterando-se o que afirma Santana (2016), outro turismo é possível, mas, para isso, são necessários investimentos em políticas públicas relacionadas à educação ambiental na cidade, para a conscientização socioambiental não somente dos cidadãos que atuam diretamente no turismo, mas, também, dos moradores da cidade e, principalmente, dos turistas que visitam Porto Seguro e toda a Costa do Descobrimento.
Referências bibliográficas
SANTANA, Elissandro dos Santos. Sugestão de pesquisa em torno das ações insustentáveis e déficits socioambientais no turismo de Porto Seguro-Bahia. Paripiranga: Revista Letrando ISSN 2317-0735, 2016.
SCARPA, Fabiano. SOARES, Ana Paula. Pegada ecológica: qual é a sua? São José dos Campos, SP: INPE, 2012.
HUNTER, C. Sustainable tourism and the touristic ecological footprint. Environment, Development and Sustainability, v. 04, n.01, p.07-20, 2002. In FEITOSA, Maria José da Silva. GÓMEZ, Carla Regina Pasa. Pegada Ecológica do Turismo como Instrumento para Avaliação dos Impactos Ambientais em Territórios Insulares: Uma Proposta de Adaptação. XXXVI Encontro da ANPAD, Rio de Janeiro: 2012.
SANCHO PÉREZ, A.; GARCÍA MESANAT, G.; PEDRO BUENO, A; YAGÜE PERALES, R.M. Auditoria de sostenibilidad en los destinos turísticos. 97p. Valencia: Minim, Instituto de Economia Internacional. 2001. In FEITOSA, Maria José da Silva. GÓMEZ, Carla Regina Pasa. Pegada Ecológica do Turismo como Instrumento para Avaliação dos Impactos Ambientais em Territórios Insulares: Uma Proposta de Adaptação. XXXVI Encontro da ANPAD, Rio de Janeiro: 2012.
1Especialista em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais, especialista em gestão educacional, especialista em linguística e ensino de línguas, especialista em metodologia de ensino de língua espanhola, licenciado em letras, habilitado em línguas estrangeiras modernas, espanhol e membro editorial da Revista Letrando, ISSN 2317-0735.
Contato: lissandrosantana@hotmail.com
2 Especialista em educação de jovens e adultos; especialista em língua portuguesa; licenciado em letras, língua materna e língua inglesa pela Universidade Federal da Bahia. Professor de inglês da Secretaria Estadual de Educação do Estado da Bahia.
BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é, o que não é. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
[EcoDebate] O livro Sustentabilidade, o que é, o que não é, de Leonardo Boff, um dos teóricos mais respeitados no que concerne à teologia-ecologia, é um convite a pensar o que é essa tal sustentabilidade, tão difundida nas mídias sociais e, até, nos meios tradicionais de comunicação.
A obra compõe-se de 12 capítulos, em considerações finais e na apresentação do documento Carta da Terra. De forma holística, na obra em baila, o autor discorre sobre a sustentabilidade como uma questão de vida ou morte, as origens do conceito de sustentabilidade, métodos atuais de sustentabilidade e sua crítica, causas da insustentabilidade da atual ordem ecológico-social, pressupostos cosmológicos e antropológicos para um conceito integrador de sustentabilidade, rumo a uma definição integradora de sustentabilidade, sustentabilidade e universo, sustentabilidade e a Terra viva, sustentabilidade e sociedade, sustentabilidade e desenvolvimento, sustentabilidade e educação e, por último, sustentabilidade e indivíduo.
No primeiro capítulo, “Sustentabilidade: questão de vida ou morte”, Boff começa a discussão mencionando a Carta da Terra como um dos documentos mais inspiradores do início do século XXI e, em seguida, tece discussões em torno dos desafios para a construção da sustentabilidade, sobre a insustentabilidade da atual ordem socioecológica, a insustentabilidade do sistema econômico-financeiro mundial, a insustentabilidade social da humanidade por causa da injustiça mundial, a crescente dizimação da biodiversidade: o Antropoceno, a insustentabilidade do Planeta Terra com a pegada ecológica, o aquecimento global e o risco do fim da espécie. Termina o capítulo com uma reflexão profunda acerca do fato de que o ser humano deve ser fiel a Terra e amante do autor da vida.
No capítulo, “As origens do conceito de sustentabilidade”, o autor dá início à discussão externando que a grande maioria estima que o conceito de sustentabilidade possui origem recente, a partir das reuniões organizadas pela ONU nos anos 70 do século XX, quando surgiu fortemente a consciência dos limites do crescimento que punha em crise o modelo vigente praticado, em quase todas as sociedades mundiais, mas que o conceito possui uma história de mais de 400 anos. Para aprofundar as noções concernentes à origem do termo sustentabilidade, enriquece a pauta apresentando a dicionarização do termo e suas primeiras semânticas. Ainda nesse capítulo, Boff discorre sobre a Pré-história do conceito de sustentabilidade, mostrando que o nicho a partir do qual nasceu e se elaborou o conceito é a silvicultura, o manejo das florestas, sobre a história do conceito de sustentabilidade, passando pelo alarde ecológico na ONU provocado pelo relatório do Clube de Roma “Os limites do crescimento”, que entre 5 e 16 de junho de 1972, em Estocolmo, ocorreu a Primeira Conferência Mundial sobre o homem e o Meio Ambiente, cujos resultados não foram significativos, mas gerou, pelo menos, a decisão de criar o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Boff segue a historicização acerca da sustentabilidade, apresentando a Conferência de 1984 que deu origem à Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, cujo lema foi “Uma agenda global para a mudança”, chegando à Conferência de 1987, mencionando que os trabalhos da comissão anterior foram encerrados nessa com o relatório da Primeira-ministra norueguesa Brundland “Nosso futuro comum” ou “Relatório Brundland”, até o encontro de 1992, 1997 e 2012 no Rio de Janeiro.
No capítulo, “Modelos atuais de sustentabilidade e sua crítica”, o autor começa dizendo que a pressão mundial sobre os governos e as empresas em razão da crescente degradação da natureza e do clamor mundial acerca dos riscos que pesam sobre a vida humana fizeram com que todos encetassem esforços para conferir sustentabilidade ao desenvolvimento. Nessa parte do livro, o leitor se depara com a noção de que muitas empresas e até redes delas como o Instituto Ethos de Responsabilidade Social se comprometeram com a responsabilidade social, partindo do pressuposto de que a produção não deve apenas beneficiar os acionistas, mas toda a sociedade, especialmente aqueles estratos socialmente mais penalizados. Ao longo do capítulo, são discutidos temas como o modelo-padrão de desenvolvimento sustentável, mostrando-se que dentro desse modelo, para ser sustentável, o desenvolvimento deve ser economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente correto. O autor também discute acerca de melhorias no modelo-padrão de sustentabilidade, o modelo do neocapitalismo com ausência de sustentabilidade, o modelo do capitalismo natural com a sustentabilidade enganosa, o modelo da economia verde com a sustentabilidade fraca, o modelo do ecossocialismo com a sustentabilidade insuficiente, o modelo do ecodesenvolvimento ou da bioeconomia com a sustentabilidade possível, o modelo da economia solidária com a microssustentabilidade viável e o bem-viver dos povos andinos com a sustentabilidade desejada. Boff termina o capítulo mencionando que é imperioso superar todo o antropocentrismo e que não se trata egoisticamente de garantir a vida humana, descurando a corrente e a comunidade de vida, da qual nós somos um elo e uma parte, a parte consciente, responsável, ética e espiritual. A sustentabilidade deve atender o inteiro sistema Terra, o Sistema Vida e Sistema Vida Humana, pois sem esta ampla perspectiva, o discurso da sustentabilidade ficará apenas no discurso, quando a realidade pede a efetivação rápida e eficiente da sustentabilidade, a preço de perda do lugar do ser humano neste pequeno e belo planeta, a única casa Comum para todos.
No capítulo “Causas da insustentabilidade da atual ordem ecológico-social”, o teórico critica a visão da Terra como coisa e baú de recursos, o antropocentrismo ilusório, o projeto da modernidade com a perspectiva equivocada de progresso ilimitado, já que tal fator é impossível, a visão compartimentada, mecanicista e patriarcal da realidade, o individualismo com a dinâmica da competição e a primazia do desperdício sobre o cuidado, do capital material sobre o capital humano.
No que concerne ao capítulo “Pressupostos cosmológicos e antropológicos para um conceito integrador de sustentabilidade”, Boff afirma que se quisermos uma sustentabilidade viável, precisamos, consoante a Carta da Terra, de “um novo começo” e isto equivale a dizer que temos que construir um novo paradigma civilizatório. Nessa parte da obra, o autor faz discussões acerca do que é um novo paradigma e uma nova cosmologia, elementos da nova cosmologia como base da sustentabilidade. No que tange a tais elementos, Boff coloca que o primeiro deles é a noção de que o universo forma um incomensurável todo que se encontra em evolução e em expansão, a partir daquela primeira singularidade que foi o Big Ban, de onde surgiu tudo o que existe; o segundo elemento nos vem da Teoria da Relatividade de Einstein, segundo a qual massa material e energia são equivalentes; já no tocante ao terceiro elemento, o autor afirma que esse pressuposto vem da Mecânica Quântica, segundo a qual a matéria não possui apenas massa, de onde se originou toda a física moderna, sem somente energia, base para todo o processo industrial, mas possui também informação. O teórico prossegue externando que hoje é possível descodificar estas informações, estoca-las e usá-las nos aparelhos de automação, de robótica e de computação e que cada célula contém todas as informações do código genético pelo qual se constroem os seres vivos. Que esses pressupostos, entre outros, sustentam a nova visão do mundo e, consequentemente, da nova cosmologia. Para aprofundar a discussão em torno da nova cosmologia, discorre sobre o vácuo quântico com a fonte originária de Todo o Ser, sobre as quatro expressões da Energia de Fundo, sobre a complexidade/interiorização/interdependência, sobre a Terra como superorganismo vivo, Gaia, sobre a Comunidade de Vida versus Meio Ambiente, sobre o ser humano como a porção consciente da Terra, acerca do resgate da razão sensível e cordial, sobre a dimensão espiritual da Terra, do Universo e do ser humano. Segue tecendo considerações concernentes ao cuidado essencial como componente da sustentabilidade e termina com elucidações consoantes à vulnerabilidade de toda sustentabilidade.
Em “Rumo a uma definição integradora de sustentabilidade”, continuando a pauta em torno da nova cosmologia, o teórico pontua que a nova cosmologia deve ser por natureza, ecológica. Após isso, discorre sobre a origem da palavra ecologia, mencionando que a palavra deriva de casa que, em grego, quer dizer oikos, dessa forma, ficando claro que a cosmologia significa, em primeiro lugar, o discurso sobre a grande Casa Comum que é o universo, o cosmos e somente depois sobre o Planeta Terra. Diante disso, não se deve restringir a ecologia ao puro e simples ambientalismo, como é predominante nas discussões atuais. Prossegue dizendo que fazer isso seria reduzir o conceito de ecologia e empobrecer o debate, prejudicando uma compreensão mais ampla de sustentabilidade. A ecologia recobre a sociedade (ecologia social), a mente humana (ecologia mental), as indústrias (ecologia industrial), as cidades (ecologia urbana) e as redes de conexão com o cosmos (economia integral). Sendo assim, todas estas realidades são emergências da cosmogênese e ocorrem dentro do processo evolutivo universal e não à margem dele. A nova cosmologia, assim compreendida, possui o valor de uma verdadeira revolução. Neste capítulo, Boff apresenta, dentre outros pontos, a relevância da era Ecozoica, a superpopulação humana, estratégias para a seguridade alimentar da humanidade, a governança global do Sistema Terra e do Sistema Vida e a tentativa de uma definição integradora de sustentabilidade.
No que tange ao capítulo “Sustentabilidade e universo, diz que muitos podem estranhar a relação entre sustentabilidade e universo, mas, à medida que o leitor retoma os capítulos anteriores, consegue perceber que somos, todos, parte do universo e todos feitos do mesmo pó cósmico que se originou com a explosão das grandes estrelas vermelhas. Nessa parte da obra, fala sobre matriz relacional, mostrando que tudo e todos funcionam em ligação, em rede. O teórico em questão termina o capítulo com um poema de Cherokee Norman H. Russel, dizendo o seguinte: Assim como uma árvore não termina na ponta de suas raízes ou de sua copa, assim como um pássaro não termina em suas penas ou em seu voo, assim como a Terra não termina na montanha mais alta, assim eu também não termino em meu braço, no meu pé ou na minha pele, mas ininterruptamente me estendo para fora, pelo espaço e pelo tempo, com minha voz e meu pensamento, pois minha alma é o universo.
No capítulo “Sustentabilidade e a Terra viva”, o autor discorre sobre as três descobertas científicas que estão modificando nosso olhar sobre a Terra: a noção de comunidade cósmica, a comunidade de vida e a constatação de que a Terra é viva, um gigantesco superorganismo chamado Gaia. Para consubstanciar as discussões, apresenta as fontes da sustentabilidade para a Terra e a renovação do contrato natural Terra/humanidade.
Em “Sustentabilidade e sociedade”, dentre outras questões, mostra a necessidade de resgatar o sentido originário de sociedade, a democracia socioecológica como base da sustentabilidade e como poderia ser uma sociedade sustentável.
No que se refere ao capítulo “Sustentabilidade e desenvolvimento”, apresenta noções sobre os pressupostos para a sustentabilidade, questiona como passar do capital material para o capital humano, a viabilidade ecológica de um desenvolvimento sustentável, a sustentabilidade e o capital social regional, a sustentabilidade e a satisfação de necessidades fundamentais, indicadores de um desenvolvimento sustentável, indaga acerca de como passar do capital humano para o capital espiritual e apresenta um exemplo de boa sustentabilidade com o projeto Água Boa.
No capítulo “Sustentabilidade e educação”, Boff, de forma bastante sábia, menciona que a sustentabilidade não acontece mecanicamente. Ela é fruto de um processo de educação pela qual o ser humano redefine o feixe de relações que entretém com o universo, com a Terra e à comunidade de vida, de solidariedade para com as gerações futuras e a construção de uma democracia sociológica. Prossegue mostrando a importância de uma educação ecocentrada e apresentando os princípios norteadores de uma ecoeducação sustentável.
Em “Sustentabilidade e indivíduo”, de maneira filosófica, pontua que, a rigor, o indivíduo não existe, pois o que existe é a pessoa humana, nó de relações orientadas para todas as direções. Ninguém vive fora da rede de relações que sustenta o universo no qual cada um está imerso. Por isso, o correto seria dizer o indivíduo relacional, mas mantém a palavra indivíduo em seu sentido mais filosófico que social. Na oportunidade, faz os seguintes questionamentos: Que representa a sustentabilidade para o indivíduo assim compreendido? Que significa possuir uma existência sustentável? Para aprofundar a discussão, tece considerações acerca da sustentabilidade do homem-corpo indivíduo, a sustentabilidade do homem-psique individual e a sustentabilidade do homem-espírito individual.
A obra termina com algumas considerações acerca de um chamado à cooperação e à esperança, além da apresentação do documento Carta da Terra.
Referência bibliográfica
BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é, o que não é. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
1Especialista em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais, especialista em gestão educacional, especialista em linguística e ensino de línguas, especialista em metodologia de ensino de língua espanhola, licenciado em letras, habilitado em línguas estrangeiras modernas, espanhol e membro editorial da Revista Letrando, ISSN 2317-0735.
Contato: lissandrosantana@hotmail.com
2Especialista em educação de jovens e adultos; especialista em língua portuguesa; licenciado em letras, língua materna e língua inglesa pela Universidade Federal da Bahia. Professor de inglês da Secretaria Estadual de Educação do Estado da Bahia.
Caminhos possíveis para um turismo sustentável em Porto Seguro, Bahia
Por Elissandro Santana.
Na quarta edição da Revista Letrando, no artigo “Sugestão de pesquisa em torno das ações insustentáveis e déficits socioambientais no turismo de Porto Seguro-Bahia” e na edição do portal Desacato, publicada em julho de 2016, no artigo “Ações insustentáveis no turismo de Porto Seguro Bahia” apresentei discussões acerca domodus operandi equivocado nas atividades turísticas na cidade de Porto Seguro.
A sugestão de pesquisa mostrou que é necessária uma transformação na arquitetura mental da gestão pública e do corpo empresarial que explora o potencial turístico do município, pois, na ausência de uma agenda sustentável, que leve em conta os recursos naturais, históricos e culturais como capitais naturais essenciais para a cidade, haverá o esgotamento da principal matriz de produção/geração de trabalho, de renda e de riquezas em Porto Seguro.
Nos dois artigos mencionados que servem de reflexão para essa elucidação, são apresentados alguns dos espaços da cidade nos quais o turismo imprime suas expressões predatórias sem compromisso com a preservação e com a conservação dos capitais naturais dos quais se vale. Dentre esses espaços, Santana (2016, p. 171) apresenta: Há pontos estratégicos para o turismo na cidade. Começando pelo centro, há a Passarela do Álcool, onde, diariamente, são armadas barracas para vendas de alimentos, bebidas e artesanatos locais, com a circulação de milhares de pessoas. Esse ponto turístico também é o local para a realização das festas mais importantes da cidade, com bandas e circulação de trios elétricos. O problema é que esta parte está localizada às margens do Rio Buranhém, que deságua no mar, e, após as festividades, são visíveis os impactos ambientais com a presença de resíduos sólidos como garrafas plásticas, de vidro e de metal no leito do rio. Na Orla Norte há grandes empreendimentos como barracas e hotéis com festas na praia, em que é possível verificar o acúmulo de resíduos sólidos e líquidos. Além desses problemas, vários rios e riachos desse perímetro estão contaminados com o despejo de esgotos e outros resíduos. Para piorar a situação, novos empreendimentos e condomínios são construídos nesta parte da orla a cada ano. Do centro de Porto Seguro para o Arraial d’Ajuda (outro ponto muito importante para o turismo) há a travessia de balsa pelo Rio Buranhém e tais embarcações são abastecidas às margens do próprio rio, o que demanda cuidado e política sólida de fiscalização ambiental, pois há o risco de contaminação da água com o vazamento de óleo. Do outro lado, há engarrafamentos na Estrada do Arraial até o Centro do Distrito e isso provoca, além dos ruídos que perturbam aves e outros animais da fauna local, poluição com o lançamento de CO2. Saindo do Arraial, há o turismo ainda mais luxuoso no Distrito de Trancoso e, nesse espaço, a natureza passa por um acelerado processo de desgaste, em que grandes hotéis são construídos e o distrito, por conta do sucesso advindo do turismo, atrai um contingente de pessoas de outras partes do município e de outras cidades da região, ocasionando o crescimento urbano e populacional desordenado, com o surgimento de bairros sem condições sanitário-ambientais.”.
Essa forma de explorar o turismo coaduna com a visão do capitalismo exploratório, onde prevalece a concorrência com foco somente no lucro e, acerca desse fenômeno capital, cabe apresentar o que pontua Boff (2014, p. 34): “É notório que o sistema capitalista imperante no mundo é consumista, visceralmente egoísta e depredador da natureza. Está levando toda a humanidade a um impasse, pois criou uma dupla injustiça: a ecológica, por estar devastando a natureza, e outra social, por gerar imensa desigualdade social.”.
No que concerne às desigualdades sociais, pode-se mencionar que o lucro advindo do turismo em Porto Seguro não beneficia todas as camadas e parcelas da população da cidade. Nesse âmbito, uma pesquisa com recorte específico em relação aos salários pagos aos trabalhadores que atuam diretamente com o turismo ou em atividades satélites corroborará o quadro de injustiça social, mostrando que os maiores beneficiários com a exploração das atividades turísticas na região são os donos do capital.
Como pontua Boff, o capitalismo consumista, além das injustiças sociais, também provoca a injustiça ecológica e isso se manifesta de várias formas. Nesse sentido, é possível concatenar o que afirma o autor supracitado com as injustiças ambientais na cidade. Por exemplo, no sentido Arraial d’Ajuda-Trancoso, em um passado não muito distante, havia um espaço conhecido por/como Lagoa Azul que, por conta de ações insustentáveis no turismo, seja com a entrada sem controle de visitantes, seja pela retirada da cobertura vegetal que se localizava próximo às falésias, em especial, na parte de cima, ou pela construção civil, houve a morte desse ambiente natural. No referido espaço, os turistas, além de todos os encantos naturais do local, banhavam-se e se lambuzavam na argila, tida por especialistas e moradores da região, como medicinal. Com o extermínio da lagoa, ficou uma lacuna, um déficit em relação a espaços de exploração do turismo na cidade.
A Lagoa Azul é só um entre tantos exemplos que corroboram que o turismo de Porto Seguro, infelizmente, ainda está alicerçado na vertente positivista de concepção de subjugação da natureza. No entanto, outro turismo é possível, arvorado nos princípios da sustentabilidade, com o uso dos espaços a partir do princípio do cuidado e da utilização responsável. Acerca do cuidado, Boff (2013, p. 157), pontua o seguinte: “O cuidado com a Terra representa o Global. O cuidado com o próprio nicho ecológico representa o local. O ser humano tem os pés no chão (local) e a cabeça aberta para o infinito (global). O coração une chão e infinito, abismo e estrelas, local e global. A lógica do coração é a capacidade de encontrar a justa medida e construir o equilíbrio dinâmico.”. O referido equilíbrio dinâmico ainda é viável em Porto Seguro, mas esse fator demanda rupturas nas bases de pensar o turismo na região. Caso ocorram essas rupturas no que tange aos paradigmas operantes exploratórios nas atividades turísticas na cidade, nascerá outro turismo, mais sustentável, e, portanto, justo social e ambientalmente.
A partir de Boff e do princípio do cuidado, é possível fazer ponte com o turismo em Porto Seguro e externar que todos os atores envolvidos com essa atividade na cidade desenvolverão visões e concepções sustentáveis de relação com o capital natural que a região possui e, dessa forma, preservarão os recursos dos quais o turismo se apropria para as gerações futuras.
Como já fora mencionado, outro turismo é possível, mas, para isso, são necessários investimentos em políticas públicas relacionadas à educação ambiental na cidade, para a conscientização socioambiental não somente dos cidadãos que atuam diretamente no turismo, mas, também, dos moradores da cidade e, principalmente, dos turistas que visitam Porto Seguro e toda a Costa do Descobrimento.
Na educação ambiental reside a solução para o surgimento de outro design mental para a prática do turismo, mas tal fator somente se concretizará se a gestão pública local, em parceria com o Estado e com a esfera federal, investir em cursos de formação nos espaços formais e informais de educação na cidade, com vistas à formação de ecocidadãos multiplicadores de práticas e ações sustentáveis no turismo e em outras matrizes de produção na cidade e na região.
Aliada à Educação Ambiental, medidas de controle, fiscalização e monitoramento das praticas turísticas, políticas de valorização da mão de obra e do cidadão, como investimento em educação em perspectivas lato sensu, cultura, lazer, esporte, trabalho, saúde e combate à violência são essenciais para a preservação e para a conservação das riquezas naturais e, consequentemente, da biodiversidade na cidade. Enfim, é impossível pensar a sustentabilidade nas ações e nas práticas turísticas na cidade sem intervenções nas questões que foram mencionadas acima.
BOFF, Leonardo. A grande transformação: na economia, na política e na ecologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
SANTANA, Elissandro dos Santos. Sugestão de pesquisa em torno das ações insustentáveis e déficits socioambientais no turismo de Porto Seguro-Bahia. Paripiranga: Revista Letrando ISSN 2317-0735, 2016.
1 Especialista em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais; especialista em gestão educacional; especialista em linguística e ensino de línguas; especialista em metodologia do ensino de língua espanhola, graduado em letras – línguas estrangeiras modernas, língua e literatura espanhola e Membro Editorial da Revista Letrando.
Ações insustentáveis no Turismo de Porto Seguro Bahia, artigo de Elissandro dos Santos Santana
[EcoDebate] Em meu último artigo científico publicado na Revista Letrando “Sugestão de pesquisa em torno das ações insustentáveis e déficits socioambientais no turismo de Porto Seguro–Bahia”, para além de contribuir para a formação de futuros pesquisadores na área ambiental, apresento as principais ações insustentáveis e déficits socioambientais originados a partir do Turismo predatório na cidade.
Começo a discussão, mencionando que a tríade turismo, sustentabilidade e meio ambiente ocorre a partir de tensões frutos de contradições e convergências e que para a compreensão desses três elementos, é importante entender a complexidade da atividade turística praticada em um determinado meio ambiente, com seus capitais naturais e como tais recursos podem ser usados de forma sustentável.
Para fundamentar a discussão, prossigo externando que o turismo é uma atividade que possibilita o trânsito de pessoas, de cultura, de saberes e de geração de riquezas, por isso, conforme Coriolano, Leitão e Vasconcelos (2009, p. 29): “é um campo afeito a tensões e antinomias.” Essas tensões e antinomias, segundo os autores mencionados, encontram explicação no fato de que as imagens do turismo consolidadas ao longo do século XX produziram signos e símbolos impregnados de significados simultaneamente criativos e destrutivos. Tais antinomias são frutos, em parte, da própria complexidade das atividades turísticas, pois, segundo Ricco (2012, p. 167) o turismo: “(…) é um fenômeno extremamente complexo, dinâmico, que opera de múltiplas formas e nas mais diversas circunstâncias, sendo difícil apreendê-lo em sua totalidade por meio de uma única perspectiva teórica ou mesmo de uma única ciência.”.
Aprofundo a discussão, pontuando que essas antinomias e tensões aparecem em Porto Seguro, que possui no turismo a principal atividade para geração de riqueza e ancora-se na dinâmica do desenvolvimento econômico sem grandes responsabilidades socioambientais. A cidade alicerça-se em perspectivas exploratórias com a natureza, o que é paradoxal, haja vista que em vez de conservar e preservar os recursos naturais dos quais se serve, apropria-se, de forma inadequada, dos ambientes naturais e culturais. Essas apropriações propiciam insustentabilidades que vão desde a transfiguração dos espaços de lazer, dos espaços de cultura e história, concentração de riquezas, especulação imobiliária, segregações espaciais, degradação de matas ciliares ao longo de rios e riachos, depósito de resíduos sólidos em praias, despejo de esgotos no mar, destruição de expressões culturais e históricas, exploração da mão de obra, distanciamentos sociais e violência.
Continuo a discussão, apresentando o seguinte: Para a compreensão da complexidade das atividades turísticas na cidade, faz-se necessário entender as consequências das ações antrópicas em ambientes diversos, levando-se em consideração que elas ocorrem em áreas marinhas, lacustres e ecossistemas em geral. No que concerne à relação economia e meio ambiente, já que o turismo de Porto Seguro ocorre a partir desses dois pilares, é importante recorrer ao que afirma Braga et al. (2002, p. 226): A Economia ecológica constituiu uma reação àquilo que considera como insuficiência dos princípios-base da economia tradicional, em face da natureza dos processos ecológicos nos ecossistemas e na biosfera, que são determinantes do equilíbrio e da qualidade do ambiente. Na sua visão, a economia deve ser entendida como um subsistema (o subsistema econômico) originado da atividade humana, mas subordinado às leis fundamentais que regem os ecossistemas da biosfera.
Há pontos estratégicos para o turismo na cidade. Começando pelo centro, há a Passarela do Álcool, onde, diariamente, são armadas barracas para vendas de alimentos, bebidas e artesanatos locais, com a circulação de milhares de pessoas. Esse ponto turístico também é o local para a realização das festas mais importantes da cidade, com bandas e circulação de trios elétricos. O problema é que essa parte está localizada às margens do Rio Buranhém, que desagua no mar, e, após as festividades, são visíveis os impactos ambientais com a presença de resíduos sólidos como garrafas plásticas, de vidro e de metal no leito do rio. Na Orla Norte há grandes empreendimentos como barracas e hotéis com festas na praia, em que é possível verificar o acúmulo de resíduos sólidos e líquidos. Além desses problemas, vários rios e riachos desse perímetro estão contaminados com o despejo de esgotos e outros resíduos. Para piorar a situação, novos empreendimentos e condomínios são construídos nessa parte da orla a cada ano. Do centro de Porto Seguro para o Arraial d’Ajuda (outro ponto muito importante para o turismo) há a travessia de balsa pelo Rio Buranhém e tais embarcações são abastecidas às margens do próprio rio, o que demanda cuidado e política sólida de fiscalização ambiental, pois há o risco de contaminação da água com o vazamento de óleo. Do outro lado, há engarrafamentos na Estrada do Arraial até o Centro do Distrito e isso provoca, além dos ruídos que perturbam aves e outros animais da fauna local, poluição com o lançamento de CO2. Saindo do Arraial, há o turismo ainda mais luxuoso no Distrito de Trancoso e, nesse espaço, a natureza passa por um acelerado processo de desgaste, em que grandes hotéis são construídos e o distrito, por conta do sucesso econômico advindo do turismo, atrai um contingente de pessoas de outras partes do município e de outras cidades da região, ocasionando o crescimento urbano e populacional desordenado com o surgimento de bairros sem condições sanitário-ambientais.
Frente às condições socioeconômicas frágeis, os atores sociais envolvidos com o turismo desenvolveram práticas exploratórias do capital natural e essa concepção também aparece no discurso do turista que concebe a região como pacote-objeto a ser consumido. A partir do consumo/exploração, o que deveria ser espaço de troca cultural, histórica e convivência com a natureza, converte-se em relações depredatórias que vão desde a poluição de praias e rios com resíduos sólidos, à depredação de recifes em decorrência da presença não controlada de pessoas nessas áreas de ampla biodiversidade marinha, à irresponsabilidade de gestores públicos em relação a políticas de educação ambiental, além da ausência da aplicação de legislação ambiental, planejamento e zoneamento ambiental para a cidade.
Enfim, no trabalho em baila há material de análise para entender como o turismo tem interferido na dinâmica socioambiental da cidade.
Referências
BRAGA, B. et al. Introdução à engenharia ambiental: o desafio do desenvolvimento sustentável. São Paulo: Pratice Hall, 2002.
CORIOLANO, Luzia Neide M. T., LEITÃO, Cláudia S. e VASCONCELOS, Fábio P. Turismo, cultura e desenvolvimento na escala humana. In: CORRÊA, Maria Laetitia; PIMENTA, Solange Maria;
ARNDT, Jorge Renato Lacerda. Turismo, sustentabilidade e meio ambiente. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.
RICCO, Adriana Sartório. O turismo como fenômeno social e antropológico. In: PORTUGUEZ, Anderson Pereira; SEABRA, Giovanni; QUEIROZ, Odaléia Telles M. M. (orgs). Turismo, espaço e estratégias de desenvolvimento local. João Pessoa, PB: Editora Universitária da UFPB, 2012.
Elissandro dos Santos Santana, especialista em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais, especialista em gestão educacional, especialista em linguística e ensino de línguas, especialista em metodologia de ensino de língua espanhola, licenciado em letras, habilitado em línguas estrangeiras modernas, espanhol e membro editorial da Revista Letrando, ISSN 2317-0735
A arquitetura mental insustentável por trás do assassinato da onça-pintada Juma, por Elissandro dos Santos Santana, Denys Henrique R. Câmara e Rosana dos Santos Santana
Ecologia Mental: arma sustentável contra a homofobia e contra a intolerância, por Elissandro dos Santos Santana, Denys Henrique R. Câmara e Rosana dos Santos Santana
Ecologia Mental: arma sustentável contra a homofobia e contra a intolerância
Fonte da imagem: http://meioambiente.culturamix.com/ecologia/conceitos-a-respeito-de-ecologia
[EcoDebate] O episódio de Orlando, nos EUA, com o assassinato de 49 seres humanos na boate Pulse, por questões homofóbicas e outros elementos motivadores que, todavia, estão sendo investigados pelas autoridades estadunidenses, não é um fato isolado, dado que o ódio dizima LGBTS em várias partes do Planeta.
As matrizes fomentadoras do ódio e da intolerância são múltiplas e se alimentam em fontes diversas, que vão desde o fundamentalismo, ao radicalismo, à apatia, elementos presentes em práticas e discursos pertencentes a crenças conservadoras e sectárias que disseminam a rechaça à diferença, à diversidade e à pluralidade no campo das ideias e das constituições dos seres que habitam o Planeta. As forças antiprogressistas, hodiernamente, tomam corpo e ocupam espaços na política em diversos países do mundo, silenciando e vetando discursos de respeito à pluralidade da existência humano-ambiental.
Diante de forças conservadoras demolidoras da pluralidade, os setores mais progressistas das sociedades em todos os países e nações do Planeta precisam unir forças, para que, assim, em uma imensa comunidade planetária, possam apresentar alternativas que desestabilizem a cultura do ódio, da opressão e da aversão ao diferente.
O ódio, além das fontes nas quais se alimenta como já fora mencionado, encontra guarida em arcabouços culturais como o machismo, o racismo, a violência, a homofobia e em outras patologias do pensar e do agir. Tendo em vista essa questão, a alternativa mais viável e concreta para barrar a proliferação de estruturas mentais não ecológicas é uma educação que comporte a diversidade da existência e possibilite o nascimento da mente ecológica para uma Ecologia da Mente. Para uma educação nessa vertente, há que se desinstalar a escola atual, haja vista que ela nada mais é do que aparelho ideológico a serviço do Estado e, estando a serviço do Estado, desempenha, em muitos aspectos, ainda que se veja libertária, um papel conservador, dado que o Estado, em muitas partes do mundo, está refém dos desejos e projetos dos grupos opressores que elegem seus representantes governistas nas casas legislativas e, às vezes, no poder executivo, dependendo do modelo adotado por cada país.
Para entender a necessidade de uma sociedade sem escolas (entenda-se como crítica à inoperância das escolas atuais e não como destruição da instituição), pode-se recorrer ao que apresenta Illich (1985): O paradoxo das escolas é evidente: quanto maiores os gastos, maior sua destrutividade dentro e fora de casa. Este paradoxo deve tornar-se assunto público. Admite-se geralmente, agora, que o ambiente físico será em breve destruído pela poluição bioquímica, a não ser que invertamos as tendências atuais de produção de bens físicos. Dever-se-ia reconhecer também que a vida social e pessoal está ameaçada igualmente pela poluição Saúde, Educação e Bem- Estar, o inevitável subproduto do consumo obrigatório e competitivo de bem-estar.
Somente após a desinstalação das escolas, poder-se-á reinventar a forma de educar e, a partir dessa reinvenção, surgirão processos de educar, em linhas libertadoras e de complexidade, que propiciem aos seres humanos a capacidade da análise complexa, do todo, de forma holística, dando condição de autoanálise em relação às cadeias mentais não ecológicas nas quais muitos se encontram.
Já que se mencionou a Ecologia Mental como arma da escola que precisa ser construída para a libertação do pensar, torna-se oportuno trazer à tona uma discussão aprofundada em torno do conceito de Ecologia. Para início, pode-se externar que a Ecologia é, por natureza, plural, segundo Ribeiro. Nesse sentido, pode-se recorrer ao referido teórico, quando ele pontua o seguinte: A ecologia é plural. É um equívoco e uma visão reducionista considerar a Ecologia no singular. Há muito ela deixou de ser um único ramo das ciências biológicas. Hoje, são dezenas de campos das ciências ecológicas presentes nas ciências naturais, humanas, sociais, políticas, econômicas, na cultura e nas artes, nas filosofias e nas tradições. A Ecologia teve origem na biologia e estudava o relacionamento de bichos e plantas com seu habitat natural.
A partir da amplitude da Ecologia, surgiram a Ecologia Mental, a Ecologia Social, a Ecologia Pessoal, a Ecologia Ambiental, dentre outras. Dado a complexidade do termo Ecologia Ambiental, faz-se imprescindível compreender temas como sustentabilidade, preconceito, intolerância, extremismo religioso e outras questões nesse âmbito, pois tudo isso interfere, diretamente, nas arquiteturas mentais societárias.
Acerca do termo em discussão, Boff (2015), pontua: O estado do mundo está ligado ao estado de nossa mente. Se o mundo está doente é indício de que nossa psique também está doente. Há agressões contra a natureza e vontade de dominação porque dentro do ser humano funcionam visões, arquétipos, emoções que levam a exclusões e a violência. Existe uma ecologia interior, bem como uma ecologia exterior que se condicionam mutuamente.
Partindo-se do pressuposto apresentado acima, por Boff, teólogo-ecólogo bastante respeitado, nacional e internacionalmente, é possível fazer leituras em torno da relação que há entre a homofobia e preconceitos (no sentido lato sensu do termo) e insustentabilidades do pensar que geram violência. Para ampliar a percepção em torno da relação direta entre preconceito e insustentabilidade do pensar, pode-se recorrer a Torán (2014), quando apresenta o seguinte: A sustentabilidade é um conceito muito importante na ecologia que tem que ver com a prosperidade dos sistemas biológicos. No contexto do ecologismo, se trata de satisfazer nossas necessidades atuais sem sacrificar a capacidade que terão as futuras gerações para satisfazerem as suas. Trata-se de empreender ações de forma responsável e respeitosa com o meio ambiente, porém, não somente hoje, mas, também, pensando no amanhã. (Tradução nossa).
Para compreender em profundidade o que é a Ecologia Mental, faz-se necessário retomar uma discussão que, até certo limite, fora apresentada em parágrafos anteriores, a noção de que o ser humano e todos os seres que residem neste Planeta formam a comunidade de vida e de interações na Terra. Nesse sentido, levando-se em consideração o fato de que somos seres de interação, entre nós, deveria prevalecer a consciência da partilha, do cuidado e do afeto e não o contrário, mas, infelizmente, por conta dos sistemas operantes capitais selvagens, nada cooperativos, o ser humano desvinculou-se da pertença à natureza e, dessa forma, perdeu a noção de que tudo está interligado e que ações isoladas desencadeiam consequências em rede. Nesse âmbito, é oportuno retomar Boff (2012), ao pontuar que o ser humano é aquela porção da Mãe Terra que, num momento avançado de sua evolução, começou a sentir, a pensar, a amar, a cuidar e a venerar. Nasceu, então, o ser mais complexo que conhecemos: o homo sapiens sapiens. Por isso, segundo o mito antigo do cuidado, de húmus (terra fecunda) se derivou homo/homem e de adamah, em hebraico (terra fértil), originou-se Adam – Adão (o filho e a filha da Terra).
Ainda, conforme afirma Boff (2012): Por causa da consciência e da inteligência, somos seres com uma característica especial: somos espirituais, éticos e responsáveis. A nós foi confiada a guarda e o cuidado da Casa Comum. Melhor ainda: a nós cabe alimentar veneração e respeito que devemos à nossa Mãe Comum. Nada devemos fazer que a ofenda e lhe negue a dignidade. Estas atitudes irão garantir diretamente a sustentabilidade da Mãe Terra.
As noções de Boff coadunam, em muitos aspectos, com o que apresenta Betto (2012) no livro “A obra do artista: uma visão holística do Universo”, no capítulo “O ser humano, uma obra-prima”, quando este menciona que, antes do parto, ali estávamos há meses, abrigados no útero materno. Perdura em nós certa nostalgia daquele espaço-tempo de pura fruição e nutrição, quando se formaram os nossos órgãos, a delicada cartilagem que se tornaria o nosso esqueleto, os membros e a cabeça que, além do cérebro, guarda sete janelas de quatro dos cinco sentidos. Terra e semente regadas à ternura. Antes que emergisse a nossa consciência, já éramos na consciência de nossos pais. Não só projeto, mas também ato; não só verbo, mas também carne, em gestos e sussurros que unem corpos e espíritos, e fazem do amor sedutora liturgia, cujos signos arranham delicadamente o silêncio, reviram a morte pelo avesso e irrompem em êxtase, trazendo, na perda de si, o encontro com o outro. Ali brotou o nosso ser.
A partir de Leonardo Boff e, também, de Frei Betto, é possível recorrer às noções do saber cuidar do próprio Leonardo Boff, pensando o cuidado como o elemento central da existência de manutenção da vida em todos os campos e esferas. Ao refletir sobre o cuidado, é possível efetuar intersecções com a arquitetura mental ancorada em ódio à diferença e à diversidade de todas as formas de ser e atuar no mundo do Outro e, ao fazê-lo, pode-se pensar a Ecologia Mental como área capaz de romper com o egoísmo das ações do ser que não pode se ver isolado, mas como parte integrante de uma peça maior, a teia da vida.
A guisa de considerações finais, pode-se apresentar que a Ecologia Mental é um instrumento que possibilita a higiene mental e, diante disso, viabiliza-se a quebra de preconceitos, contrariando aquela famosa citação atribuída a Einstein, a de queé mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito.
A partir da higiene mental, um dos matizes da Ecologia Mental, o novo ser humano empodera-se e coloca em prática o que pontua Torán (2014): aceita o desafio de ser consciente das diferentes formações mentais (pensamentos, emoções, imagens e sons mentais, e sensações físicas associadas, que normalmente se cruzam e atuam sem serem reconhecidas, e sem que seja capaz de separá-las em seus diversos componentes). Permanece alerta ante os pensamentos e emoções tóxicas que possam danificar às outras pessoas e a si mesmos. Adquire consciência de que o ego se esconde atrás de todos os conteúdos tóxicos que a própria mente é capaz de gerar e trabalha arduamente para ser consciente disso e não se deixar levar pelas armadilhas. Aceita a oportunidade de responder em vez de reacionar. Ante um estímulo, não se permite responder automaticamente, como se fosse um robô. Torna-se cônscio de que reacionar pode gerar vários danos. Torna-se responsável por responder de uma forma mental e emocionalmente ecológica, com a consciência de que as próprias ações beneficiarão a todos e não somente aos próprios interesses. Assegura-se de que as próprias ações não causarão danos nem a si mesmo nem a ninguém, no presente e no futuro. Aceita a tarefa de trabalhar para o crescimento pessoal, eliminar hábitos negativos e adquirir qualidades que possam beneficiar a todos. Por fim, toma a responsabilidade de dirigir a própria vida, dando-lhe sentido, rumo e valores, criando caminhos que permitam chegar aos objetivos.
A Ecologia Mental, por meio da higiene da mente, contribuirá para que o ser humano faça a reforma do pensamento e desconstrua a arquitetura de desrespeito à diferença. Acerca da necessidade da reforma do pensamento, é profícuo apoiar-se no que afirma Morin (2003) quando ele diz que todo conhecimento constitui, ao mesmo tempo, uma tradução e uma reconstrução, a partir de sinais, signos, símbolos, sob a forma de representações, idéias (sic), teorias, discursos. A organização dos conhecimentos é realizada em função de princípios e regras que não cabe analisar aqui; comporta operações de ligação (conjunção, inclusão, implicação) e de separação (diferenciação, oposição, seleção, exclusão). O processo é circular, passando da separação à ligação, da ligação à separação, e, além disso, da análise à síntese, da síntese à análise. Ou seja: o conhecimento comporta, ao mesmo tempo, separação e ligação, análise e síntese.
Diante da nova arquitetura mental que se reforma e se renova, arvorada nas necessidades sociais, sustentável nas bases, fatos como o de Orlando ficarão, somente, na memória e, dessa forma, a história despontará como campo de reflexão para orbitar o passado com vistas à construção de futuros de esperança, com a destituição da cultura da homofobia-machismo-racismo-intolerância.
Referências bibliográficas
BETTO, Frei. A obra do Artista: uma visão holística do universo. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012.
____________. A grande transformação: na economia, na política e na ecologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
____________. Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres: dignidade e direitos da Mãe Terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.
ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
RIBEIRO, Maurício Andrés. As ciências ecológicas. Acesso em 13 de junho de 2016. http://www.ecologizar.com.br/docs/01_as_ciencias_ecologicas.pdf
TORÁN, Félix. Ecologia Mental para Dummies. Barcelona: Grupo Planeta, 2014.
1Especialista em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais, especialista em gestão educacional, especialista em linguística e ensino de línguas, especialista em metodologia de ensino de língua espanhola, licenciado em letras, habilitado em línguas estrangeiras modernas, espanhol e membro editorial da Revista Letrando, ISSN 2317-0735.
Contato: lissandrosantana@hotmail.com
2 Especialista em educação de jovens e adultos; especialista em língua portuguesa; licenciado em letras, língua materna e língua inglesa pela Universidade Federal da Bahia. Professor de inglês da Secretaria Estadual de Educação do Estado da Bahia.
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA ESCOLA: concepções e práticas docentes na Educação Básica no Ensino Fundamental em Cícero Dantas-Bahia, por Elissandro dos Santos Santana e Murilo Santana Pereira
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA ESCOLA: concepções e práticas docentes na Educação Básica no Ensino Fundamental em Cícero Dantas-Bahia
RESUMO: Esse trabalho tem como objeto de estudo a Educação Ambiental (EA) na escola: concepções e práticas docentes na Educação Básica no Ensino Fundamental em Cícero Dantas. A pesquisa apresenta dados preocupantes acerca das concepções e práticas docentes em torno da EA. Buscou-se investigar como ocorre a EA nos últimos anos do Ensino Fundamental, a partir das concepções e práticas docentes sobre as contribuições dessa área do conhecimento para a formação, construção e constituição do aluno ecocidadão. A pesquisa configurou-se como de campo, com a aplicação de questionários a um grupo amostral de 20 professores. Ademais, optou-se por uma abordagem qualitativa e quantitativa, servindo-se da técnica de pesquisa bibliográfica.
RESUMEN: Ese trabajo tiene como objeto de estudio la Educación Ambiental en la escuela: concepciones y prácticas docentes en la Educación Básica en la Enseñanza Fundamental de Cícero Dantas. La investigación presenta datos que traen alguna preocupación con relación a las concepciones y prácticas docentes en torno a la EA. Se buscó investigar de qué manera ocurre la EA en los últimos años de la Enseñanza Fundamental, a partir de las concepciones y prácticas docentes con respecto a las contribuciones de la EA para la formación, construcción y constitución del alumno con competencia para la ecociudadanía. La investigación se configuró como siendo de campo, con la aplicación de encuestas a un grupo de muestra de veinte maestros. También se optó por un abordaje cualitativo y cuantitativo, sirviéndose de la técnica bibliográfica.
Esse trabalho teve como objeto de estudo a Educação Ambiental em escolas da Educação Básica do município de Cícero Dantas, buscando compreender e analisar as concepções e práticas pedagógicas docentes no Ensino Fundamental (EF).
Para justificar a pesquisa, partiu-se, dentre outros pressupostos, do fato de que a educação é o principal meio de transformação das práticas sociais e que o estudo em torno das concepções e práticas docentes, nos últimos anos do EF, em duas escolas de Cícero Dantas, despontaria como uma oportunidade para analisar o que os professores e escolas entendem por EA e, principalmente, como se dá o ensino-aprendizagem dessa área para a formação do aluno ecocidadão3 nos espaços formais de educação básica na cidade.
A pesquisa em torno do fenômeno apresentado é de suma importância em tempos de crises socioambientais locais e planetárias em um mundo dominado pela lógica de produção alicerçada na exploração do capital natural, sem a preocupação com a preservação e com a conservação dos recursos para as gerações futuras. Na conjuntura atual, torna-se essencial, cada vez mais, entender o tripé sociedade, meio ambiente e desenvolvimento, para novas perspectivas e atuações. Em Cícero Dantas são muitos os problemas ambientais e estes sinalizam para a necessidade de novas formas de relação entre sociedade e meio ambiente, portanto, pesquisas nessa linha são importantes para novas perspectivas na região. Por tudo o que fora mencionado, pode-se destacar que diante do poder transformador da educação, mecanismo imprescindível para a formação do aluno cidadão que seja capaz de ser agente de transformação na sociedade da qual faz parte, a EA surge como oportunidade para o desenvolvimento do ser humano sustentável, com visão complexa, arvorada no conhecimento em rede e não mais baseada em visões simplistas, fragmentárias. Sendo assim, a investigação das concepções e práticas docentes nos últimos anos do EF em duas escolas da Educação Básica de Cícero Dantas-Bahia, em torno do papel da EA para a formação, construção e constituição de alunos ecocidadãos, autônomos e libertários em prol das questões socioambientais, é importante para novas práticas educacionais no município.
A partir dos resultados de pesquisa em EA na região, é possível repensar novas práticas docentes e outras formas de educar ambientalmente. Por fim, investigar as significações, imaginários e epistemologia do educar ambiental na Educação Básica na/da cidade, precisamente, nos últimos anos do EF, foi importante para detectar se a EA está sendo trabalhada no referido nível de ensino e de que forma isso acontece.
Dentre os objetivos gerais para a pesquisa, se buscou investigar como ocorre a EA nos últimos anos do EF em escolas públicas e privadas de Cícero Dantas, a partir das concepções e práticas docentes sobre as contribuições da EA para a formação, construção e constituição do aluno ecocidadão. Já em relação aos objetivos específicos, foram levantados os seguintes: 1. Compreender a dinâmica de ensino-aprendizagem no que concerne à EA nos últimos anos do EF na Educação Básica, 2. Identificar as concepções docentes acerca da EA, 3. Estudar as práticas educacionais docentes em torno da EA e 4. Analisar os discursos docentes em torno das contribuições da EA para o surgimento do aluno cônscio e sensível às questões ambientais.
Em linhas gerais, a pesquisa foi abordada de forma qualitativa e quantitativa, com predominância da primeira abordagem sobre a segunda, haja vista que o foco não foi análise de quantidades, mas a observação de fenômenos sociais e ambientais presentes no discurso de educadores em relação aos conceitos e práticas docentes acerca das contribuições da EA para a formação do aluno ecocidadão. A pesquisa configurou-se como de campo, servindo-se da técnica de pesquisa bibliográfica. Para a pesquisa in loco, foram aplicados questionários semiestruturados a um grupo amostral de 20 professores. Dada a multirreferencialidade e multidisciplinaridade da EA, se optou por aplicar os questionários não somente aos professores de Geografia e Ciências da Natureza, mas, também, aos docentes das outras disciplinas.
Para a aplicação dos questionários semiestruturados, partiu-se do que afirma Gil (1999): “O questionário apresenta uma série de vantagens. A relação que se segue indica algumas dessas vantagens, que se tornam mais claras quando o questionário é comparado com a entrevista”. Dentre essas vantagens, Gil (1999) pontua as seguintes: possibilita atingir grande número de pessoas, mesmo que estejam dispersas numa área geográfica muito extensa, já que o questionário pode ser enviado pelo correio; implica menores gastos com pessoal, posto que o questionário não exige o treinamento dos pesquisadores; garante o anonimato das respostas; permite que as pessoas o respondam no momento em que julgarem mais convenientes e não expõem os pesquisadores à influência das opiniões e do aspecto pessoal do entrevistado.
O trabalho está dividido nas partes, a saber: Introdução, Aportes teóricos em torno da Educação Ambiental, Análise de resultados: concepções e práticas docentes em torno da EA, Algumas considerações finais e Referências bibliográficas.
Aportes teóricos em torno da Educação Ambiental
Antes de discorrer sobre EA, faz-se necessário apresentar alguns conceitos de educação, em âmbito geral. Devido à dimensão do que muitos autores entendem por Educação, optou-se pelos campos conceituais para Educação a partir de Paulo Freire, com discussões na perspectiva da pedagogia da autonomia e pedagogia da libertação, e Edgar Morin, com discursos em torno dos sete saberes necessários à educação do futuro e sobre a necessidade da reforma do pensamento.
A opção por discorrer sobre educação a partir do arcabouço conceitual de Morin e Freire deu-se pelo fato de que os dois teóricos mencionados possuem conceitos que se entrelaçam na perspectiva da autonomia, libertação e formação de agentes com consciência planetária e, portanto, coadunam com a complexidade do educar ambientalmente. A partir de Freire, pode-se aprofundar acerca do papel que a educação desempenha no processo de autonomia e de libertação do pensamento dos discentes e, à luz dos pressupostos da Teoria da complexidade de Edgar Morin pode-se compreender quais são os saberes necessários à educação do futuro na hipermodernidade das incertezas e mudanças em eras de vazios e sociedades de decepção.
A educação permite a formação de agentes capazes de diálogo com o mundo, pois é no diálogo que o ser humano se liberta de dogmas, conceitos pétreos e obsoletos. A respeito do papel transformador, libertário e dialógico, veja-se:
O conceito de relações, da esfera puramente humana, guarda em si, como veremos, conotações de pluralidade, de transcendência, de criticidade, de conseqüência e de temporalidade. As relações que o homem trava no mundo com o mundo (pessoais, impessoais, corpóreas e incorpóreas) apresentam uma ordem tal de características que as distinguem totalmente dos puros contatos, típicos da outra esfera animal. Entendemos que, para o homem, o mundo é uma realidade objetiva, independente dele, possível de ser conhecida. É fundamental, contudo, partirmos de que o homem, ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com o mundo. Estar com o mundo resulta de sua abertura à realidade, que o faz ser o ente de relações que é. (FREIRE, 1967, p. 39)
A partir de Freire, tem-se que a educação propicia a autonomia do aluno, possibilitando-o a atuar de forma crítica e independente na sociedade. Nessa linha de raciocínio, percebe-se no teórico supra uma relação estreita entre autonomia e libertação, ou seja, uma seria consequência da outra. No que concerne à educação como processo libertador, leia-se:
A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo. Vai dominando a realidade. Vai humanizando-a. Vai acrescentando a ela algo de que ele mesmo é o fazedor. Vai temporalizando os espaços geográficos. Faz cultura. E é ainda o jogo destas relações do homem com o mundo e do homem com os homens, desafiado e respondendo ao desafio, alterando, criando, que não permite a imobilidade, a não ser em ternos de relativa preponderância, nem das sociedades nem das culturas. E, na medida em que cria, recria e decide, vão se conformando as épocas históricas. É também criando, recriando e decidindo que o homem deve participar destas épocas. (FREIRE, 1967, p. 43)
A educação deve promover a autonomia do aluno rumo à cidadania, pois se isso não ocorrer, não haverá a libertação, de fato. Nesse sentido:
O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão. Uma de suas tarefas primordiais é trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica com que devem se “aproximar” dos objetos cognoscíveis. E esta rigorosidade metódica não tem nada que ver com o discurso “bancário” meramente transferidor do perfil do objeto ou do conteúdo. É exatamente neste sentido que ensinar não se esgota do “tratamento” do objeto ou do conteúdo, superficialmente feito, mas se alonga à produção das condições em que aprender criticamente é possível. E essas condições implicam ou exigem a presença de educadores e de educandos criadores, investigadores, inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes. Faz parte das condições em que aprender criticamente é possível a pressuposição por parte dos educandos de que o educador já teve ou continua tendo experiência da produção de certos saberes e que estes não podem a eles, os educandos, ser simplesmente transferidos. (FREIRE, 1966, p. 13)
Diante da autonomia do pensar e da libertação conquistadas, o aluno-cidadão poderá alcançar a consciência de que em um mundo em mudança sempre será necessário reformar o pensamento. Em relação à necessidade de outra forma de pensar o mundo para uma ecologia da ação, Morin (2002, p. 87) pontua: “A ecologia da ação é, em suma, levar em consideração a complexidade que ela supõe, ou seja, o aleatório, acaso, iniciativa, decisão, inesperado, imprevisto, consciência de derivas e transformações.”. A partir de Morin, tem-se que a consciência ecológica seria um dos saberes necessários à educação do futuro.
Sobre a necessidade de reformar o pensamento para outra percepção ecológica, é possível recorrer ao que apresenta Morin:
A reforma do pensamento é que permitiria o pleno emprego da inteligência para responder a esses desafios e permitiria a ligação de duas culturas dissociadas. Trata-se de uma reforma não programática, mas paradigmática, concernente a nossa aptidão para organizar o conhecimento. (2003, p. 20)
A Educação Ambiental por não ser uma disciplina do currículo escolar da Educação Básica brasileira, muitas vezes, dependendo da formação do quadro docente e do Projeto Político Pedagógico da escola, não é apresentada ou, quando isso é feito, ocorre de maneira incipiente, de forma fragmentada, isolada no saber de algumas disciplinas. Acerca disso:
Qualquer referência à Educação Ambiental remete ao processo de educação em bases atualizadas, uma vez que não se pode interpretá-la como um agregado da pedagogia, ecologia, biologia ou qualquer ciência que trate das coisas naturais. No caso de ser, como em muitos casos de fato é, como disciplina, de forma equivocada, sem interatividade, ela perde a plenitude do potencial de integração e de inovação e, para ser mais conciso, revolucionário. (MENDONÇA, 2009, pp. 17-18)
Pelo alcance inter-trans-multidiciplinar, a EA não pode ser tratada a partir de um marco teórico único, pois a dimensão da área dialoga com vários campos do conhecimento. Dessa forma, para a compreensão de qualquer fenômeno de pesquisa no âmbito dessa área, o pesquisador e/ou professor deve adotar vertentes de análises multirreferenciais, pois será impossível obter resultados sólidos no estudo dessa área sem ampliar o leque de possibilidades referenciais. No que tange à amplitude desse fenômeno:
Quando se analisa a Educação Ambiental em seu total alcance, é sumamente importante considerar os vários aspectos que devem nortear seu desenvolvimento. Dessa maneira, verifica-se que a mesma deve ser contemplada com uma visão interdisciplinar, intradisciplinar e integradora dos vários saberes bióticos e abióticos. (MENDONÇA, 2009, pp. 17-18)
A EA quando trabalhada de forma eficiente e didaticamente responsável propicia a formação do aluno com consciência da ética planetária. De cidadãos locais, os discentes podem desenvolver a percepção de mundo em rede e de que o conhecimento que opera mudanças em planos locais atingirá outras dimensões em âmbitos globais. E mais importante que isso, o discente, um ecocidadão em constituição, terá a percepção aceca do que afirma Morin (2011, pp. 166-167): “Onde estamos na era planetária? Minha tese é que a globalização do fim do século XX criou as infraestruturas comunicacionais, técnicas e econômicas para uma sociedade-mundo.”.
Uma didática eficiente em torno do ensino-aprendizagem em EA fornece condição para que os alunos-cidadãos tomem consciência dos problemas ambientais locais e globais. A respeito dos problemas ambientais no mundo:
O planeta Terra vive um período de intensas transformações técnico-científicas, em contrapartida das quais engendram-se fenômenos de desequilíbrios ecológicos que, se não forem remediados, no limite, ameaçam a vida em sua superfície. Paralelamente a tais perturbações, os modos de vida humanos individuais e coletivos evoluem no sentido de uma progressiva deterioração. As redes de parentesco tendem a se reduzir ao mínimo, a vida doméstica vem sendo gangrenada pelo consumo da mídia, a vida conjugai e familiar se encontra frequentemente “ossificada” por uma espécie de padronização dos comportamentos, as relações de vizinhança estão geralmente reduzidas a sua mais pobre expressão. (GUATTARI (1990, p. 8)
Dentre as contribuições que a escola pode fornecer ao corpo discente no que tange às discussões em torno da EA, está a consciência da crise socioambiental. A esse respeito:
A racionalização da sustentabilidade abre a possibilidade de construir um novo paradigma produtivo, fundado nas potencialidades da natureza e na recuperação e enriquecimento do conhecimento que ao longo da história desenvolveram diferentes culturas sobre o uso sustentável de seus recursos ambientais. (LEFF, 2006, p. 406)
Acerca da Ética Planetária, Morin, ao discorrer sobre a lógica de desenvolvimento ocidental, tece uma crítica que a escola pode trabalhar nas discussões em torno dos saberes ambientais:
É notável que os males que ameaçam o planeta (poluição, perigo nuclear, manipulações genéticas destruições culturais) sejam todos produzidos pela racionalidade ocidental (Wojciecho-wski). O próprio terrorismo planetário, na vontade destruir o Ocidente, só pode desenvolver-se graças às técnicas do Ocidente. (MORIN, 2011, p. 166)
Acerca da complexidade epistemológica ambiental:
A globalização da degradação socioambiental impôs a diversas disciplinas científicas o imperativo de internalizar valores e princípios ecológicos que asseguram a sustentabilidade do processo de desenvolvimento. Neste contexto, surgiram novos enfoques metodológicos para apreender a multicausalidade e o potencial sinergético de um conjunto de processos de ordem física, biológica, tecnológica e social. Em sua articulação, estes processos conformam sistemas complexos que reembasam a capacidade de compreensão e ação a partir dos paradigmas unidisciplinares de conhecimento. (LEFF, 2010, p. 159)
A discussão em torno da EA na escola vai além da discussão sobre sustentabilidade do meio ambiente, pois propicia a mudança de arquitetura mental da sociedade em relação a todas as questões relacionadas à natureza. Diante da sustentabilidade do pensar as relações com o meio ambiente, o homem se vê como parte dele e não mais como um elemento à parte. Enfim, a escola precisa acompanhar as mudanças e necessidades do mundo atual e a questão ambiental é uma das maiores preocupações do mundo hodierno. Sobre o papel da escola para a sustentabilidade ambiental, pode-se recorrer ao que afirma Trigueiro:
Uma escola que use a sustentabilidade como mote desse revirão pedagógico amplo e inovador terá como princípio ético a construção de um mundo em que tudo que se faça, onde quer que estejamos, considere os limites dos ecossistemas e a capacidade de suporte de um planeta onde os recursos são finitos. Temos ciência, tecnologia e conhecimento para isso. Novas gerações de profissionais das mais variadas áreas serão desafiados a respeitar esse princípio sem prejuízo de sua atividade-fim. Tudo isso poderia ser resumido em uma palavra: sobrevivência. A mais nobre missão das escolas no século XXI será nos proteger de nós mesmos. Ainda há tempo. (2012, p. 360)
A EA, a curto e longo prazo, pode remodelar um novo design societário de relação com o meio ambiente, mas isso só será possível se a escola contribuir para isso. Concernente à relação sustentabilidade e educação, Boff apresenta:
A sustentabilidade não acontece mecanicamente. Ela é fruto de um processo de educação pela qual o ser humano redefine o feixe de relações que entretém com o universo, com a Terra, com a natureza, com a sociedade e consigo mesmo dentro dos critérios assinalados de equilíbrio ecológico, de respeito e amor à Terra e à comunidade de vida, de solidariedade para com as gerações futuras e da construção de uma democracia socioecológica. (2012, p. 149)
A partir do postulado por Boff, pode-se inferir que a introdução das discussões no âmbito da EA nas escolas brasileiras, tanto na Educação Básica como no Ensino Superior pode ser um caminho para a construção de um paradigma ecológico na formação das novas gerações e, como consequência, o despertar para o surgimento de cidadãos com consciência para além do local, enfim, para uma sensibilidade do planetário. Diante de novos agentes sociais cônscios da necessidade de mudanças na arquitetura mental de pensar o planeta, a Terra será concebida como a Casa Comum, e, sendo assim, de todos, portanto, devendo ser preservada.
Resultados alcançados na pesquisa
Os questionários de pesquisa foram elaborados em torno de questões que captassem desde o conhecimento docente no âmbito conceitual, desenvolvimento e execução de projetos ambientais na escola às significações dos educadores acerca do papel da EA para a formação de alunos-cidadãos cônscios de que um mundo mais justo socioambiental depende de uma educação mais libertária.
A partir da análise dos questionários semiestruturados aplicados a um grupo de 20 professores de disciplinas diferentes dos últimos anos do EF, nos dois turnos, matutino e vespertino, de duas escolas de Cícero Dantas, foi possível verificar que a EA não é uma discussão presente nas práticas docentes.
Dado que os questionários elaborados apresentaram muitos questionamentos, fora concedido um prazo para a entrega dos formulários respondidos, cabendo pontuar que dos 20 questionários distribuídos, somente 14 foram entregues. Desse número, dois eram professores de língua materna, um de geografia, dois de história, dois de ciências, dois de biologia e cinco não especificaram com quais disciplinas atuavam.
Em relação ao nível de formação dos professores entrevistados, 8 eram professores efetivos concursados, com, no mínimo, graduação na área na qual atuam, 3 são contratados formados em áreas diferentes das quais atuam e três estão concluindo a graduação em instituições privadas de ensino superior na região.
Quando indagados sobre o que entendiam por EA, dos 14 docentes que entregaram os questionários respondidos, somente dois apresentaram uma resposta satisfatória, em consonância com o campo conceitual que apresentam diversos autores que discorrem sobre a temática. Ainda em relação ao conceito de EA, ficou perceptível que os professores não fazem discussões em torno do tema, pois não possuem leituras mínimas acerca do fenômeno. Os resultados alcançados também atestam que há entre os docentes o conceito equivocado de que a EA deve ser discutida por professores que lecionam disciplinas afins à ciência ambiental.
Dos questionários entregues, quando os docentes foram indagados acerca da importância da EA, ainda que a maioria não possuísse leitura mínima sobre a questão, todos demonstraram algum nível, ainda que superficial, sobre o papel da EA para um mundo mais sustentável, com a escola como um espaço imprescindível para discussões e crescimento nesse âmbito.
Concernente à pergunta sobre o desenvolvimento, execução e aplicação de projetos de EA na escola, dos 14 professores que responderam ao questionário, 7 pontuaram que já possuíam algum tipo de projeto, mas que ainda não estavam maduros o suficiente para serem aplicados. Quatro responderam que não desenvolviam e nem pretendiam desenvolver nenhum projeto de educação ambiental, pois, para isso, seria fundamental a participação e o fomento da direção das escolas para a aplicabilidade de um projeto de EA. Três apresentaram informações incompreensíveis, demonstrando que não entendiam sobre projetos de EA.
A partir da ausência de projetos de EA no EF, percebeu-se que falta uma gestão voltada para as questões ambientais que cobre dos professores perspectivas de projetos nessa linha. Bem mais importante que a cobrança, deve ocorrer a participação da gestão na elaboração, desenvolvimento e execução de propostas de projetos, para que, assim, o corpo docente de todas as disciplinas perceba que a EA é uma discussão que abrange um campo multirreferencial, portanto, podendo ser feita por todos os campos e disciplinas.
No que tange à ausência de projeto de EA nas escolas pesquisadas, verificou-se que as concepções dos docentes acerca do que é EA são fatores preponderantes para a ausência de projetos nessa vertente. Percebeu-se que dois dos professores investigados fazem algum tipo de discussão ambiental em sala de aula, mas isso é feito de forma aleatória, quando surge alguma discussão específica da disciplina que lecionam.
Parte do problema em relação à falta de noções conceituais no que tange ao que é EA encontra explicação no fato de que, ao longo da formação, os professores jamais tiveram contato com a disciplina de EA ou discussões nessa vertente.
Algumas considerações finais
A pesquisa foi de grande importância, haja vista que são muitos os problemas ambientais presentes na cidade e, muitas vezes, a sociedade não se vê como parte do meio ambiente. Essa falsa visão de distanciamento entre homem e natureza está relacionada, em parte, à ausência de processos educativos que propiciem a consciência de que todos, humanos, fauna, flora, enfim, fatores bióticos e abióticos, fazem parte de um processo complexo de interação formando os grandes sociobiomas e socioecossistemas.
Os resultados alcançados na pesquisa atestam que a EA ainda é uma área do conhecimento que não é trabalhada nos últimos anos do Ensino Fundamental nas escolas investigadas na Educação Básica de Cícero Dantas, Bahia. Faz-se imprescindível mencionar que a partir das constatações feitas, verificou-se que a ausência de discussões nos últimos anos do Ensino Fundamental é um problema presente em outros anos e níveis da Educação Básica na cidade.
A pesquisa apresenta dados preocupantes, dado que as questões ambientais são discussões recorrentes em todo o mundo e não somente no plano local e a escola, como espaço para a formação do aluno com consciência ecológico-ambiental, em dimensões para além do plano geográfico no qual reside, não tem contribuído para novos designs mentais no que tange às relações sociedade e meio ambiente.
Os resultados comprovam que as escolas nas quais a pesquisa fora aplicada, com urgência, precisam investir na formação de novos olhares sobre a EA, entendendo sua importância e a inserindo nos contextos educacionais, para que, dessa forma, novas perspectivas em relação ao meio ambiente possam surgir e, assim, soluções para os problemas ambientais atuais na cidade, na Bahia, no Brasil e no mundo, possam aparecer.
Ademais, os resultados de pesquisa despontam como oportunidade para a ampliação do estado da arte em torno do tema pesquisado e reflexão acerca do que está sendo feito na educação básica nas escolas de Cícero Dantas, uma cidade pertencente ao polígono das secas e que, por sua condição e localização geográfica, necessita discutir a EA para outras concepções e práticas ambientais na cidade e região.
ReferênciasBibliográficas
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FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1967.
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GUATTARI, Félix. As três ecologias. Campinas, SP: Papirus, 1990.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
LEFF, Enrique. Epistemologia Ambiental. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
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MENDONÇA, Carlos Ovídio Lopes de. Educação Ambiental: pressupostos holísticos. João Pessoa: Sal da Terra Editora, 2009.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
____________. O Método 6: ética. 4. ed. Porto Alegre: Sulina, 2011.
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TRIGUEIRO, André. Mundo sustentável 2: novos rumos para um planeta em crise. São Paulo: Globo, 2012.
1 Especialista em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais; especialista em gestão educacional; especialista em linguística e ensino de línguas; especialista em metodologia de ensino de língua espanhola; licenciado em letras – línguas estrangeiras modernas – língua e literatura espanhola. Membro do Conselho Editorial da Revista Letrando (ISSN 2317-0735). E-mail: lissandrosantana@hotmail.com
2 Graduando em Ciências Biológicas – Faculdade Dom Luiz de Orleans e Bragança. E-mail: murilosantana@msn.com
3 Termo usado por vários ambientalistas como Leonardo Boff, importante nome da Teoecologia no Brasil e Enrique Leff, importante pesquisador Mexicano que discute Epistemologia Ambiental e Racionalidade Ambiental, dentre outras temáticas nessa mesma linha.
Resumo: Esse trabalhoresulta de uma pesquisaacerca das contribuições socioambientais do Instituto A Voz dos Bichos para a sociedade de Porto Seguro. Para a consecução do estudo, adotou-se um marco teórico múltiplo, alicerçado em visões sociais, ambientais e políticas. O estudo foi abordado de forma qualitativa e quantitativa, a partir das seguintes técnicas de pesquisa: bibliográfica, documental e pesquisa de campo, com a aplicação de questionários semiestruturados para grupo amostral de 50 pessoas. O artigo está dividido nas partes, a saber: Introdução, Memória, contexto e finalidades do Instituto A Voz dos Bichos, Marco teórico utilizado para a compreensão do fenômeno investigado, Análise qualitativo-quantitativa das ações do Instituto A Voz dos Bichos, Alcance do Instituto e Considerações finais.
Palavras-chave: Contribuições socioambientais.Instituto A Voz dos Bichos. Sociedade. Animais.
Resumen: Ese trabajo es el resultado de una investigación con respecto a las contribuciones socioambientales del Instituto A Voz dos Bichos hacia la sociedad porto segurense. Para la consecución del estudio, se eligió un marco teórico múltiplo, apoyado en visiones sociales, ambientales y políticas. El estudio está hecho de una forma cualitativa y cuantitativa a la vez, partiendo de las siguientes técnicas de pesquisa: bibliográfica, documental y trabajo de campo, con la aplicación de encuestas semi-estructuradas para un grupo de amuestra de 50 personas. El artículo contiene las siguientes partes: Introducción, Memoria, contexto y papel del Instituto A Voz dos Bichos, Marco teórico utilizado para la comprensión del fenómeno de investigación, Análisis cualitativo-cuantitativa de las acciones del Instituto A Voz dos Bichos, Dimensión del Instituto y Consideraciones finales.
Palabras-clave: Contribuciones socioambientales. Instituto A Voz dos Bichos. Sociedad. Animales.
INTRODUÇÃO
Esse trabalho é resultado de pesquisa em torno das contribuições socioambientais do Instituto A Voz dos Bichos para Porto Seguro, Bahia. A proposta de investigação surgiu a partir da necessidade de entender o papel social e ambiental desempenhado pela referida ONG no município, não somente no que concerne ao bem estar dos animais domésticos resgatados nos/dos espaços públicos, mas, principalmente, investigar a influência das ações do Instituto para a mudança da arquitetura mental social no tangente ao abandono dos animais e ineficiência da gestão pública municipal no que concerne às questões de zoonose na cidade.
Para a consecução da pesquisa, houve o aprofundamento nos estudos na área da pesquisa social, ambiental e política, partindo-se da noção de que para o estudo do fenômeno seria imprescindível um campo teórico multirreferencial. Diante de um marcomultiteórico, foram conceituados alguns fatores e fenômenos presentes na dinâmica dos projetos socioambientais, haja vista que o objeto de estudo analisado é um projeto socioambiental.Em linhas gerais, a pesquisa foi abordada de forma qualitativo-quantitativa, com predominância da primeira sobre a segunda, servindo-se de três técnicas de pesquisa: bibliográfica, documental1 e de campo, com a aplicação de questionários semiestruturados para um grupo amostral de 50 pessoas, amostra, estatisticamente, viável, dentro de uma população total de aproximadamente 150 mil habitantes,com vistas a captar a dimensão do Instituto em relação às mudanças culturais e mentais na sociedade para o cuidado em relação aos animais.
Para o estudo dos dados e mapeamento das ações, foram feitas análises de documentos de fundação do órgão, regimento e relatórios de ações, além de outros dados que se fizeram necessários à medida que foram elaboradas leituras do documento fundacional e regimental do Instituto.
2 Memória, contexto e finalidades do Instituto A Voz dos Bichos
O Instituto A Voz dos Bichos,fundado em 30 de abril de 2011, é uma entidade de natureza privada, sem fins lucrativos ou político partidário, com o objetivo de atender a todos que a ela dirigirem-se, independente de classe social, nacionalidade, sexo, raça, cor e crença religiosa, com prazo de atuação ilimitado e regida pelas normas transcritas em Estatuto. O tripé da ONG é o resgate, a conscientização e a esterilização; sendo que o objetivo principal é a conscientização/sensibilização da população.Dentre as finalidades do Instituto, estão:
I – Fiscalizar o cumprimento dos dispositivos do Decreto Federal nº 24.645, de 10 de julho de 1.934, do artigo 64 do Decreto Lei 3.668, de 03 de outubro de l.941 (Lei das Contravenções Penais) e do artigo 32 da Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de l.998 e demais leis, decretos, portarias e regulamentos federais, estaduais e municipais sobre a proteção de animais e meio ambiente;II – Reduzir a população de animais abandonados, através de campanhas de castração gratuitas ou de valores reduzidos, principalmente, em comunidades carentes;III – Promover campanhas de educação e conscientização, propagando a filosofia de amor e o respeito aos animais, incentivando a posse responsável;IV – Dar assistência veterinária a animais de pessoas carentes, abandonados, doentes, feridos ou vítimas de crueldade, abuso ou maus tratos, sempre que possível, de acordo com a disponibilidade de recursos, em clínicas veterinárias conveniadas, obedecidas às prescrições estatutárias;V – Recolher, sempre que possível, e de acordo com sua capacidade, animais abandonados ou extraviados, encaminhando-os, depois de tratados, para adoção, independentemente de ressarcimento financeiro, a pessoas de idoneidade comprovada que se comprometam a dar-lhes tratamento adequado e digno, mediante a assinatura de um termo de responsabilidade e sujeito à fiscalização por parte da Entidade;VI – Defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado, impedindo e reprimindo práticas que coloquem em risco seu equilíbrio, combatendo o tráfego e a extinção de animais silvestres, a caça e a pesca predatórias;VII – Estimular o intercâmbio e a cooperação institucional e internacional;VIII – Atuar junto aos poderes públicos, visando ao aperfeiçoamento e cumprimento efetivo da legislação e demais instrumentos de defesa do ambiente e de proteção aos animais;IX – Promover ações judiciais, inclusive, ação civil pública na defesa dos animais e do meio ambiente.
O objeto de estudo configura-se como campo de atuação do Terceiro Setor e preenche uma lacuna de políticas públicas em torno do cuidado de animais domésticos abandonados nos espaços urbanos. Foi a partir da ausência de ações políticas dos gestores públicos e, até mesmo, da arquitetura mental social de descaso aos animais, que se constituiu o Instituto A Voz dos Bichos. No entanto, ainda que o referido Instituto enquadre-se na ótica do Terceiro Setor, o foco da pesquisa não se deu em torno dessa característica, propriamente, mas em relação às contribuições concretas no que tange às questões socioambientais para a cidade no que concerne às ações, resultados alcançados e, principalmente, como A Voz dos Bichos remodela o design cognitivo societário em relação à vertente do cuidado e respeito à existência dos animais, inclusive, para o desenvolvimento de perspectivas de crescimento humanitário a partir da preocupação e cuidado com seres irracionais deixados à sorte nos espaços geo-sócio-políticos do abandono, tanto pelos gestores públicos municipais, como pela sociedade em geral.
Ademais, é importante sinalizar que a ONG contribui para sanar possíveis doenças de origem zoonose-sanitária, educar ambientalmente e possibilitara consciência/sensibilização do elemento social-humano no tangente ao cuidado dos animais, contribuindo, dessa forma, não somente para a qualidade de vida dos animais recuperados, mas, essencialmente, para o desenvolvimento humanístico, por meio de campanhas virtuais e em espaços públicos da cidade para a divulgação das ações, feiras de adoção e cuidados médico-veterinários, como: exames, consultas e profilaxia físico-higiênicados pets adotados.
Dentre as ações do Instituto, estão: o acolhimento dos animais resgatados, cuidados médico-veterinários aos animais recolhidos, com a oferta de serviços como consultas, exames e aplicação de vacinas aos animais cujos donos não possuem poder aquisitivo alto, campanhas de conscientização da população para a adoção responsável e, principalmente, sensibilização do elemento humano para a proteção e o cuidado dos animais domésticos. Frente à importância da ONG, investigar as contribuições socioambientais é essencial para mostrar à sociedade que para que o Instituto atue de forma mais eficiente, torna-se imprescindível o apoio da população, pois os resultados das ações desempenhadas na cidade não beneficiam somente os animais, mas, também, os seres humanos, haja vista que, com a retirada dos animais das ruas, além de possibilitar melhorias nas condições de vida dos bichanos, contribui para a profilaxia urbana e combate a possíveis doenças ligadas à zoonose.
As ações alcançam dimensões socioambientais, pois com a retirada de animais como gatos e cães das ruas, dentre outros, além de contribuir para melhores condições de vida dos animais recolhidos, como já fora mencionado, possibilita a higienesanitária das ruas, propiciando a diminuição de doenças transmitidas por animais desassistidos das vacinas e de cuidados veterinários. Com a retirada dos animais das ruas, os espaços públicos ficam mais propícios ao lazer e à livre circulação de pessoas sem a preocupação com enfermidades transmitidas por animais. Na verdade, o papel do Instituto transcende as noções de profilaxia dos espaços públicos, pois o referido órgão desenvolve campanhas de conscientização e sensibilização da população, fomentando conhecimentos sobre a importância da adoção de animais, sobre os problemas advindos da proliferação de animais sem os cuidados médicos na geografia urbana, com isso, possibilitando processos de humanização do próprio ser humano. Diante de tudo o que fora apresentado, o estudoinvestigou as ações e a abrangência do Instituto.
3 Marco teórico utilizado para a compreensão do fenômeno investigado
Para a investigação das contribuições socioambientais do Instituto A Voz dos Bichos, como já fora mencionado na Introdução, foi necessário recorrer a um marco teórico múltiplo, alicerçado, pelo menos, em três áreas e vertentes do conhecimento: social, ambiental e política. Nesse sentido, para a compreensão do fenômeno, foi importante ampliar os conceitos de projeto social, socioambiental, papel desempenhado pelas ONGs no Brasil, Políticas públicas, Terceiro setor, além de outros conceitos. Por pesquisa multidisciplinar, levou-se em consideração o seguinte:
Quando as ciências humanas perdem a ambição de retirar de cada um dos setores da atividade humana as leis que a caracterizam e se orientam mais para um procedimento de resolução de problemas, isso as conduz a se inquietarem com as divisões que poderiam restringir sua ação, especialmente as fronteiras disciplinares, com seus territórios reservados (os historiadores ocupam-se do passado; os sociólogos do presente; os geógrafos do espaço; etc.), pois isso poderia ser um obstáculo à compreensão completa de um problema sob todos os seus aspectos e as inter-relações entre eles. (LAVILLE e DIONNE, 2007, p. 44)
O marco teórico multirreferencial ancorou-se em teóricos como Boff (2013) e sua discussão do saber cuidar, sustentabilidade, a águia e a galinha como metáfora da condição humana;Morin (2011), com sua ética e necessidade da compreensão do humano;Guattari (1999) e a noção das três ecologias; Barthes (1977), a partir do pressuposto de que a literatura comporta todos os saberes;Capra (2012) e a noção sobre o ponto de mutação;Montaño (2003) e sua discussão em torno do Terceiro Setor; Leff e suas teses em torno do saber ambiental, além de teóricos que discorrem diretamente sobre projetos socioambientais.
Antes de qualquer aporte teórico acerca do fenômeno investigado, faz-se oportuno discorrer um pouco sobre a relação animal racional, animal irracional e como isso foi possível. Sabe-se que ao longo das formações sociais, no mundo inteiro, as relações de aproximação entre homem e animal foram se constituindo com a aprendizagem e convivência de ambos os lados. Em relação aos gatos, por exemplo, a aproximação, segundo Rodrigues (2014) deu-se da seguinte maneira:
O gato foi o primeiro vigia de estoque. Foi assim: há 10 mil anos, as primeiras colheitas atraíram ratos pela primeira vez. Para sorte dos primeiros agricultores, no rastro dos roedores veio seu predador, o Felissilvestris. O gato selvagem era um bicho meio arisco, mas mantinha os ratos longe dos celeiros, e o contrato foi fechado. Aos poucos, a relação deixou de ser somente profissional: em 9500 a. C., um homem e seu gato foram enterrados juntos no Chipre. E, após milênios de bem-bom, criamos uma subespécie, Felissilvestriscatus, o chamado gato doméstico. Que não é tão doméstico assim. O autor de Catsense explica: “Para serem eficazes contra os ratos, os gatos precisaram manter muitos de seus instintos selvagens.”.
Ainda segundo Rodrigues (2014):
Os homens pensaram que haviam domesticado os gatos. Como eles mantinham os ratos longe, nós lhes demos rações. E depois lares. Nomes. Camas. Banhos. Tosas. Brinquedos. Arranhadores. Colos. Cafunés. Capas siliconadas para unhas. Estima-se que hoje existam 600 milhões de gatos vivendo com humanos, contra 800 milhões de cachorros – mas a distância do campeão para o vice vem diminuindo. Desde 1985, os felinos são os animais mais numerosos dos EUA, e o Brasil segue o mesmo rumo. Na internet, então, eles são os reis, seja ilustrando frases bizarras ou protagonizando vídeos fofos.
O exemplo da aproximação do homem com o gato, em alguns pontos, coaduna com a aproximação do ser humano com outros animais domésticos e o fato é que são muitos os imaginários que povoam a sociedade. Para fins de exemplificação desses imaginários, pode-se recorrer às produções literárias no Brasil e no mundo sobre o papel dos animais na construção da própria humanidade. A partir da contologia dos irmãos Grimm, por exemplo, há a possibilidade de aprendizagem sobre o papel exercido pelos animais na construção da humanidade no humano, sob a visão da elaboração metafórica do papel do cuidado e da aprendizagem mútua homem-animal. Ademais, outra produção literária riquíssima é a de La Fontaine, pois esse literato, a partir de suas fábulas, buscou valer-se dos animais para instruir o ser humano.
À luz do gênero conto efábula, mais especificamente, a literatura possibilita a compreensãoda relação do homo duplamente sapiens com os ditos irracionais e, nesse aspecto, é oportuno recorrer ao que afirma Barthes (1977, p. 8):
A literatura assume muitos saberes. Num romance como Robinson Crusoé, há um saber histórico, geográfico, social (colonial), técnico, botânico, antropológico (Robinson passa da natureza à cultura). Se, por não sei que excesso de socialismo ou de barbárie, todas as nossas disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto numa, é a disciplina literária que devia ser salva, pois todas as ciências estão presentes no monumento literário.
Tomando a Literatura como fonte inesgotável do saber em todas as áreas do conhecimento, é possível encontrar cientificidade em La Fontaine (2012, p. 14), quando esse, na fábula “A cigarra e a formiga”, por exemplo, tenta ensinar ao ser humano a importância de se preparar para os tempos difíceis: “Responde a outra: “Eu cantava noite e dia, a toda hora. – Oh! Bravo!,torna a formiga; Cantavas? Pois dança agora!”.Na criação literária de La Fontaine, os animais desempenham papel fundamental no processo de humanização do humano. Com tudo isso, pode-se mencionar que a literatura é crucial para o conhecimento em torno da filosofia do cuidado, a partir de um caminho de mão dupla, pois, à medida que o homem cuida dos animais, recebe carinho, reconhecimento e afeto por parte deles.Concernente à Filosofia do cuidado, Boff (2013, p. 12) pontua:
Mitos antigos e pensadores contemporâneos dos mais profundos nos ensinam que a essência humana não se encontra tanto na inteligência, na liberdade ou na criatividade, mas basicamente no cuidado. O cuidado é, na verdade, o suporte real da criatividade, da liberdade e da inteligência. No cuidado se encontra o ethos fundamental do humano. Quer dizer, no cuidado identificamos os princípios, os valores e as atitudes que fazem da vida um bem-viver e das ações um reto agir.
É a partir da noção de cuidado que Boff (2013, p. 14) afirma algo ainda mais pontual, reforçando o papel social e ambiental do Instituto A Voz dos Bichos, quando, ao aprofundar a discussão em torno do saber cuidar, externa o seguinte:
Sonhamos com uma sociedade mundializada, na grande casa comum, a Terra, onde os valores estruturantes se construirão ao redor do cuidado com as pessoas, sobretudo com os diferentes culturalmente, com os penalizados pela natureza ou pela história, cuidado com os espoliados e excluídos, as crianças, os velhos, os moribundos, cuidado com as plantas, com os animais, as paisagens queridas e, especialmente, cuidado com a nossa grande e generosa Mãe, a Terra. Sonhamos com o cuidado assumido como oethos fundamental do humano e como compaixão imprescindível para com os seres da criação.
Fundamentando-se na vertente do cuidado, também é possível fazer ponte com a ecologia da ação como elemento necessário para a ética da existência. Acerca da ecologia da ação,Morin (2011, p. 41) traz a seguinte contribuição: “A ecologia da ação indica-nos que toda ação escapa, cada vez mais, à vontade do seu autor na medida em que entra no jogo das inter-retro-ações do meio onde intervém. Assim a ação corre o risco não somente de fracassar, mas também de sofrer desvio ou distorção de sentido.”.O pensamento Moraniano possui relação direta com o jogo de responsabilidades entre sociedade e poder público, pois, ora a sociedade se comporta de forma irresponsável do ponto de vista da ética em relação aos animais domésticos, seres indefesos que precisam dos cuidados humanos, ora, a gestão pública silencia, passando a responsabilidade para a comunidade. Na verdade, esse quadro de descaso faz parte de uma arquitetura mental societária nociva e desrespeitosa a todas as formas de vida, fruto da inconsciência ou negligência dos efeitos colaterais da não ação. A respeito disso, Morin (2011, p. 32) discorre sobre como tudo existe em rede e para a necessidade de uma consciência ética trinitária – indivíduo-sociedade-espécie, apresentando motivos para que todos busquem o religaree a sensibilidade para o cuidado em relação a todos os seres que habitam o planeta:
Num minúsculo planeta perdido, feito de um agrado de detritos de uma estrela desaparecida, fadada aparentemente às convulsões, tormentas, erupções, terremotos, a vida surgiu como uma vitória inusitada nas virtudes da religação. Um turbilhão interligando macromoléculas, gerando a sua própria diversidade ao integrá-la à sua unidade, teria criado a partir de si mesmo, uma organização de complexidade superior: uma autoeco-organização, de onde emergiram todas as qualidades e propriedades da vida.
Via teoria da complexidade de Morin, pode-se perceber que tudo está interligado e, dessa forma, há a possibilidade de enfraquecimento da visão utilitária que o ser humano, muitas vezes, possui em relação aos animais. Nessa visão reducionista utilitária, em sociedades altamente dependentes da pecuária para o desenvolvimento interno, é trivial a estrutura cognitiva do cuidado travestido de interesse capital para o abate ou outras finalidades culturalmente aceitas para o uso do animal com fins de aumento na balança comercial. Consoante aos animais domésticos é recorrente o discurso entre os membros da sociedade brasileira, em especial, em relação aos cidadãos que ainda não atingiram a concretude da fase das necessidades fisiológicas, uma ausência total em relação ao cuidado com os animais, partindo-se sempre do pressuposto de que senão darão lucro, não são importantes. Ainda no tocante à complexidade, tomando como referência Capra (2012, p. 21), surge o pressuposto da necessidade da inversão da situação:
As últimas duas décadas do século XX vêm registrando um estado de profunda crise mundial. É uma crise complexa, multidimensional, cujas facetas afetam todos os aspectos de nossa vida – a saúde e o modo de vida, a qualidade do meio ambiente e das relações sociais, da economia, tecnologia e política. É uma crise de dimensões intelectuais, morais e espirituais; uma crise de escala e premência sem precedentes em toda a história da humanidade.
A respeito da ótica insustentável das relações utilitárias, é importante analisar o que coloca Leff (2001, pp. 448-449):
Toda ética é uma ética da vida. A ética do desenvolvimento sustentável, muito mais do que um “jogo de harmonização” de éticas e racionalidades implícitas no discurso do “desenvolvimento sustentável” (do mercado, do Estado, da cidadania) e da inclusão doethos das diferentes culturas, implica a necessidade de conjugar um complexo de princípios básicos dentro de uma ética do bem comum e da sustentabilidade. E isso leva a transgredir a ética implícita na racionalidade econômica e instrumental que se incorporou no ser humano moderno e que são antitéticas ao propósito da sustentabilidade. Estas racionalidades tornaram-se irracionais ao cristalizar-se em crenças e condutas refletidas e em comportamentos insustentáveis.
Por tudo o que já fora discutido, corroborou-se que o abandono de animais configura-se como uma crise de ética humanitária. Nesse aspecto, Boff (2013, p. 64) dialoga comMorin, quando afirma: “A ética, portanto, desinstala a moral. Impede que ela se feche sobre si mesma. Obriga-a a constante renovação no sentido de garantir a habitabilidade e a sustentabilidade da moradia humana: pessoal, social e planetária.”.
Do ponto de vista do papel social desempenhado pela ONG A Voz dos Bichos, faz-se importante trazer à tona alguns conceitos que serão cruciais para a compreensão do contexto no qual se insere o Instituto objeto de estudo. Dentre os campos conceituais, aparecem: Terceiro Setor, Gestão social e o de ONG, pois, a partir disso, será possível entender, com mais profundidade, a importância desempenhada/exercida pelo Instituto na cidade.É oportuno sinalizar que o conceito de Terceiro Setor é complexo e exige aportes em vários teóricos. Também é necessário mencionar que,para entendê-lo, em profundidade, faz-se imprescindível conhecer as terminologias ONGse Movimentos sociais, pois estão interligados. Diante do que fora tratado, pode-se recorrer a Montaño (2003, pp. 14-15) quando apresenta:
A relevância do tema é forte. Por um lado, caracteriza um fenômeno que envolve um número significativo de organizações e instituições – organizações não governamentais (ONGs), sem fins lucrativos (OSFL), instituições filantrópicas, empresas “cidadãs”, entre outras – e sujeitos individuais – voluntários ou não.
Na verdade, a compreensão do conceito de Terceiro Setor exige conhecimento e leitura ao redor de camposteórico-conceituais como limites de atuação do Estado, Estado Neoliberal, surgimento da noção de Estado Mínimo, pois, segundo Montaño, o Terceiro Setor, muitas vezes, confunde-se nos limites do público-privado. O fato é que, tanto a partir de Montaño como de vários teóricos que aprofundaram estudos em torno do tema em baila, o Terceiro Setor surge de lacunas deixadas pelo Estado. No caso do Instituto A Voz dos Bichos, essa noção fica bastante evidente, pois a ONG surgiu a partir da ineficiência da gestão pública municipal e da sociedade no tocante aos animais domésticos abandonados na cidade.
Nessa esfera de ausências, há paradoxos que precisam ser amplamente discutidos; o abandono, fruto da inércia e falta de compromisso com as outras formas de vida, desencadeia uma série de doenças zoonose-sanitárias, comprometendo, consequentemente, o meio ambiente, e a população fica omissa a tudo, no máximo, cobrando responsabilidades somente do poder público local; nesse aspecto, ainda é oportuno esclarecer que tudo faz parte de uma arquitetura mental de descaso aos animais que, com certeza, encontra explicações no processo de formação da nacionalidade brasileira, arvorada em processos exploratórios na relação unidirecional de poder partindo somente da linha colonizadora para a colonizada. Como o problema é complexo e os objetivos dialogam mais com a perspectiva sincrônica de análise no estádio atual, não serão feitas investidas de análise em vertentes diacrônicas, pelo fato de que seria impossível uma análise simples. Mesmo diante da impossibilidade de análise em linhas diacrônicas, chegando às raízes da arquitetura mental de descaso aos animais em Porto Seguro e Brasil, é importante que exista essa consciência de memória explicativa.
A cultura-ação do descaso aos animais que não servem à perspectiva capital do lucro pode e deve ser combatida, pois o ser humano precisa sair dessa imagética de relações utilitárias. Acerca da necessidade de uma nova arquitetura de relações, Guattari (1990, p. 33), pontua:
A ecologia social deverá trabalhar na reconstrução das relações humanas em todos os níveis, do socius. Ela jamais deverá perder de vista que o poder capitalista se deslocou, se desterritorializou, ao mesmo tempo em extensão – ampliando seu domínio sobre o conjunto da vida social, econômica e cultural do planeta – e em “intenção” – infiltrando-se no seio dos mais inconscientes estratos subjetivos. Assim sendo, não é possível pretender se opor a ele apenas de fora, através de práticas sindicais e políticas tradicionais. Tornou-se igualmente imperativo encarar seus efeitos no domínio da ecologia mental, no seio da vida cotidiana individual, doméstica, conjugai, de vizinhança, de criação e de ética pessoal. Longe de buscar um consenso cretinizante e infantilizante, a questão será, no futuro, a de cultivar o dissenso e a produção singular de existência. A subjetividade capitalística, tal como é engendrada por operadores de qualquer natureza ou tamanho, está manufaturada de modo a premunir a existência contra toda intrusão de acontecimentos suscetíveis de atrapalhar e perturbar a opinião. Para esse tipo de subjetividade, toda singularidade deveria ou ser evitada, ou passar pelo crivo de aparelhos e quadros de referência especializados. Assim, a subjetividade capitalístíca se esforça por gerar o mundo da infância, do amor, da arte, bem como tudo o que é da ordem da angústia, da loucura, da dor, da morte, do sentimento de estar perdido no cosmos…
Apresentada a perspectiva capitalística criticada porGuattari, pode-se passar ao que se entende por Gestão social e, sobre esse campo, pode-se recorrer a Fernando G. Tenório (RAP, v. 32:07-23) por meio da noção de que o tema Gestão Socialtem sido evocado, nos últimos anos, para acentuar a importância das questões sociais para os sistemas de governo, sobretudo, para a implantação de políticas públicas, assim como dos sistemas-empresa no gerenciamento de seus negócios. Nesse campo de visada, trata-se de justificar a presença do Estado mínimo na atenção focalizada, através de políticas sociais e, ao mesmo tempo, flexibilizarrelações de trabalho ede produção de agentes econômicos.
Acerca do conceito de Movimentos Sociais, Gohn (2013, p. 13) coloca em discussão que: “(…) desde logo é preciso demarcarmos nosso entendimento sobre o que são movimentos sociais: nós os vemos como ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e expressar suas demandas.” Nessa concepção, pode-se dizer que a Voz dos Bichos nasceu de carências e gritos sociais em relação aos animais, seres explorados pelo modelo capital e, ao mesmo tempo, relegados ao extermínio.
O papel social desempenhado pelo Instituto propicia uma mudança mental social rumo à sustentabilidade e, nesse âmbito, sobre a necessidade de outra arquitetura mental humana, é possível recorrer ao que Boff (2012, p. 120) afirma:
Até o presente momento, o sonho do homem branco é dominar a Terra e submeter todos os demais seres. Esse sonho se transformou num pesadelo. Como nunca antes, o apocalipse pode ser realizado por nós mesmos. Por isso impõe-se uma reconstrução de nossa humanidade e de nossa civilização para que seja sustentável no sentido de restabelecer o pacto natural com a Terra, e considerar todos os demais seres, verdadeiramente como irmãos e irmãs, e assim devem ser tratados.
O domínio dos limites de atuação da gestão pública em relação às questões de zoonose é importante para a dimensão do quadro operante em torno desse fenômeno na cidade e, nesse sentido, percebe-se que há déficits na atuação pública, pois, no município, todavia, não há um órgão público consolidado para tratar dos problemas relacionados à retirada e cuidado dos animais. Diante desse quadro, o Instituto A Voz dos Bichos ganha ainda mais importância, haja vista que preenche vazios no que concerne à retirada de animais abandonados nas ruas de Porto Seguro com promoção da saúde e bem-estar socioambiental, tanto para a população como para o animal doméstico acolhido.
4 Análise qualitativo-quantitativa das ações do Instituto A Voz dos Bichos
Um dos objetivos da pesquisa foi mapear as ações desenvolvidas pelo Instituto desde o ano de criação até 2015, mas, infelizmente, isso não foi possível devido ao fato de que por ausência de apoio da sociedade e da gestão pública municipal,a Instituição atua no limite das possibilidades. Diante dos déficits no apoio popular, falta pessoal de apoio administrativo para o cadastro de dados e, por essa razão, nem tudo está registrado.Como não foi possível um registro de todas as ações, a seguir, serão apresentadas partes de tudo o que já foi feito, além de projetos em andamento ou em proposição:
Concernente às castrações: há uma média de 30 castrações por mês;
Quanto à realização de cirurgias de maior complexidade, na média, é feita uma por mês, sendo que há meses nos quais, por falta de verba, torna-se quase impossível tais procedimentos, mas, em compensação, há meses nos quais são feitos mais de um procedimento, propiciando a média de uma cirurgia de complexidade por mês ao ano.
Todo animal resgatado passa por uma análise clínica antes de ser levado para adoção. Até que isso ocorra, o animal fica com colaboradores e a média de gastos com um animal sadio, até que seja adotado, gira em torno de quinhentos reais (considerando consultas, vacinas, remédios, vitaminas, ração e castração).
As principais ações desenvolvidas desde 2011 até março de 2015 foram as seguintes: feira de adoção na Praça do Relógio, periódica a cada 03 meses; feira de adoção todo sábado no mercado municipal (isso foi implantado há pouco mais de 4 meses e possui como principal foco os gatinhos, que são mais fáceis de transportar, além do fato de que há uma população muito grande de felinos nas ruas e no Instituto; pet dia feliz – já foram realizadas duas versões (uma por ano: 2013 e 2014). Trata-se de um projeto para arrecadar dinheiro, em parceria com a pizzaria Bárbara, na Praça do Relógio; nesse mesmo dia, há a colaboração do McDonald’s. Nessa mesma data, também é realizado um bingo, com a finalidade de chamar mais participantes e, igualmente, arrecadar dinheiro; café colonial: foi realizado em 2014, com previsão de outro evento do tipo em abril ou maio desse ano, ou seja, 2015.
Alcance do instituto
Ao longo do mês de março de 2015, foram aplicados cinquenta questionários a cinquenta moradores de Porto Seguro, com o objetivo de captar a dimensão da atuação do Instituto na cidade e como este contribui para a mudança na mentalidade da população em relação ao cuidado com os animais e com o meio ambiente. Os questionários semiestruturados foram elaborados a partir das seguintes perguntas: Idade? Conhece o Instituto A Voz dos Bichos? Caso conheça o Instituto, sabe quais são os seus objetivos, finalidades e campo de atuação? Como conheceu o Instituto A Voz dos Bichos? Já adotou algum animal do Instituto? Já contribuiu de alguma forma com o Instituto? Conhece a página do facebook do Instituto? O que acha da atuação do Instituto na cidade? A partir de seu conhecimento acerca do Instituto, qual a sua opinião a respeito da própria responsabilidade e responsabilidade da gestão pública em relação aos animais abandonados na cidade?
Dos cinquenta entrevistados, em relação à faixa etária, 5 pessoas estavam na faixa entre 15 e 17 anos, 5 pessoas estavam na faixa entre 18 e 20 anos,12 pessoas pertenciam à faixa etária entre 21 e 25 anos, 18 pessoas, entre 26 e 33 anos, 5 pessoas entre 34 e 41anos e 5 pessoas entre 42 anos em diante. Concernente à segunda pergunta, 17 pessoas disseram conhecer o Instituto. Já em relação à terceira, das 17 pessoas que afirmaram conhecer A Voz dos Bichos, somente 12 responderam, com alguma coerência, a respeito do papel do Instituto na cidade. Quando as 17 pessoas que conhecem o Instituto foram questionadas sobre a forma como conheceram o Instituto, 5 responderam que isso se deu a partir da comunidade no facebook, 6 disseram que tiveram contato em feiras e campanhas de adoção na cidade e 6 pessoas disseram que ficaram sabendo do instituto a partir de amigos que adotaram animais no Instituto. Quando as 17 pessoas foram indagadas sobre se já haviam adotado algum animal, nenhuma havia adotado e todas responderam que, futuramente, pretendiam adotar algum animal a partir do Instituto. Em relação à pergunta sobre contribuição, de alguma forma, para o Instituto, todas responderam que não e 5 pessoas disseram que pretendiam fazê-lo em breve. Como mencionado, somente cinco pessoas conheciam a página do Instituto no facebook e, das 17 pessoas que conheciam o Instituto, 13 pessoas disseram que o Instituto exerce um papel importantíssimo para a retirada de animais das ruas, oferecendo cuidados médicos veterinários e contribuindo para a profilaxia de possíveis doenças transmitidas por animais pelas ruas da cidade. Dos cinquenta entrevistados, somente 23 pessoas assumiram que a responsabilidade pelo cuidado em relação aos animais domésticos abandonados nas ruas de Porto Seguro era de responsabilidade conjunta – população-poder público, 3 entrevistados não souberam opinar e 24 pessoas disseram que a responsabilidade era única e exclusivamente do poder público.
6 Considerações finais
Os resultados da pesquisa confirmam as hipóteses levantadas durante a elaboração e execução da pesquisa e atestam que o papel desempenhado pelo Instituto A Voz dos Bichos atinge dimensão socioambiental que, talvez, nem mesmo o próprio Instituto tenha noção. A abrangência das ações da ONG é tão grande que a referida possui uma página no facebook deveras democrática, com a participação de muitos membros ajudando no compartilhamento de campanhas de adoção, de arrecadação de dinheiro, alimentos e remédios, além da divulgação dos eventos realizados.
O envolvimento das pessoas que fazem parte da comunidade no mundo virtual é tão intenso, que durante o mês de março do corrente ano, ao longo das observações em torno da importância do Instituto no espaço online, percebeu-se que algunsposts na comunidade receberam diversos comentários e compartilhamentos.
A partir das ações efetuadas desde 2011 até março de 2015, percebeu-se que A Voz dos Bichos, mesmo diante das dificuldades, consolida-se como um espaço de cura, cuidado, afeto e, principalmente, como ponte para um novo olhar sobre todos os seres animais. Nessa linha, pode-se afirmar que a maior contribuição do Instituto é o papel que desempenha em prol da consciência e sensibilidade do humano em relação aos outros animais. Ademais, o pressuposto da consciência/sensibilidade está presente na construção do regimento da ONG, o que corrobora a responsabilidade e existência concisa do Instituto, pois, nas bases, foi pensado e construído a partir de objetivos que se sustentam no plano das ações.
Por fim, pode-se externar que, mesmo diante de todas as dificuldades financeiras, ainda que possua muitos colaboradores online, fora dos limites da virtualidade,recebe poucas contribuições, no entanto, tal fator não emperra o trabalho da ONG, pois segue firme e se consolida cada vez mais para a cultura do respeito à pluralidade da existência de todos os seres animais e contribui para a reforma da reforma do pensamento da sociedade de Porto Seguro no que tange aos animais.O Instituto A Voz dos Bichos cumpre um dos papéis apregoados por Morin (2003, p. 102) em relação à necessidade de reformar do pensamento da sociedade, o de:– ensinar a cidadania terrena, ensinando a humanidade em sua unidade antropológica e suas diversidades individuais e culturais, bem como em sua comunidade de destino, própria à era planetária, em que todos os animais enfrentam os mesmos problemas vitais e mortais.
A partir das ações do instituto, em longo prazo, a sociedade tornar-se-á cônscia do papel social que ele pode desempenhar na cidade, na região, no Estado, no Nordeste, no país, no Continente e no mundo e, assim, conjuntamente, exigir mudanças dos governos em relação à casa comum, a Terra, em todos os planos: do respeito aos animais, preservação dos ecossistemas mantenedores da vida, justiça social, independente de raça, etnia, credo, identidade sexual, identidade de gênero, distribuição de renda e cultura de respeito a todos os demais seres que habitam o planeta.
A Voz dos Bichos, além de todas as melhorias no que concerne à qualidade de vida dos animais retirados das ruas, desenvolve um papel político de formação da cidadania planetária, mostrando ao humano a urgência do cuidado e respeito à pluralidade da vida. O Instituto provoca o despertar da sociedade em relação ao papel do poder público na vertente apresentada por Passos (1979, p. 20):
Tornam-se, pois, imperiosas e urgentes as providências em favor do meio-ambiente brasileiro por parte das autoridades responsáveis juntando-se, estas, às boas razões apresentadas pelos ecologistas levando a sério a condição vital do problema e antecipando-se à solução dos incidentes ou dos atentados praticados contra a natureza.
No geral, o Instituto exerce influência sobre os imaginários sociais no que concerne à sustentabilidade em todos os campos e vertentes em Porto Seguro: ecologia da ação, ecologia do pensar, ecologia mental, ecologia dos sentidos, ecologia sociopolítica e ecologia do humano. 7 Referências Bibliográficas
BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. 51. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
______________. Sustentabilidade: o que é, o que não é. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
BARTHES, Roland. Aula. 14. ed. São Paulo: Editora Cultrix, 1977.
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. A Ciência, a Sociedade e a Cultura emergente. São Paulo: Cultrix, 2012.
GOHN, Maria da Glória (Org). Movimentos sociais no início do século XXI: antigos e novos atores sociais. 6. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
GUATTARI, Félix. As três ecologias. Campinas, SP: Papiro, 1990.
LA FONTAINE, Jean de. Fábulas. Antologia. 4. ed. São Paulo: Martin Claret, 2012.
LAVILLE, Christian. DIONNE, Jean. A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre: Artmed; Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999.
Por Elissandro dos Santos Santana, Denys Henrique Rodrigues Câmara, Heron Duarte de Almeida e Rosana dos Santos Santana.
Em tempos de efervescência midiática nas redes sociais, os seres “humanos” da (in)comunicação e da indiferença vivem sob a égide do exibicionismo da sociedade da decepção em eras do vazio. Em meio à parafernália da cultura do ter para ser, o homo sapiens sapiens “evoluiu” para demens ao ingressar nos domínios da promoção da imagem ao fazer da selfie merchandising imagética da felicidade, do poder, do rosto que se revela sorridente/realizado/empoderado, do auto marketing, do indivíduo/espécie a ser admirado ou aceito.
Não se pode generalizar, para não se cair na vertente das análises simplistas e reducionistas, mas a cultura da selfie, de forma insustentável, se disseminou por várias partes do Planeta, alcançando todas as classes, estratos sociais e intelectuais. É oportuno pontuar que a insustentabilidade não está na selfie de per si, mas, em âmbito amplo, ela resulta da busca por likes, exibicionismo e desejo desenfreado por ampliar os laços de amizades virtuais, provocando a bestialidade do (não)pensar que interfere na dinâmica da teia da vida.
São muitas as notícias em torno da insustentabilidade mental no que tange às selfies não ecológicas pelo mundo. Em vários jornais e revistas desse mês, por exemplo, há relatos/notícias acerca dessas práticas insustentáveis. O Metrópoles, na matéria “Tartaruga fica ferida após ser capturada para tirar selfies”, informou que, segundo oThe Mirror, uma tartaruga marinha ficou machucada após ser retirada do mar para selfies com turistas. Conforme relata o jornal, o caso ocorreu em 14 de junho, na praia de Havana, em Rmeileh, no Líbano. O animal foi resgatado e está sob os cuidados veterinários. O El País Brasil, na matéria “Morte de animais em tempo de “selfies”, trouxe a seguinte discussão: o turismo massivo e a crescente obsessão por parte de turistas do mundo inteiro por tirar selfies com espécies selvagens está se tornando um problema cada vez maior, tanto para o bem-estar dos animais quanto para a sua preservação.” O referido jornal continua o texto mencionando que Giovanni Constantini, da Fundação para Assessoria e Ação em Defesa dos animais (FAADA), resume o impacto causado sobre a fauna pela moda de tirar autorretratos e transmitir na hora pelas redes sociais as experiências turísticas realizadas. Segundo o periódico, estudo científico recente sobre os ursos pardos nos Estados Unidos e outro de três anos atrás sobre as arraias nas Ilhas Cayman mostram como o homem, no afã de observar e até de tocar em animais, acaba por interferir negativamente no comportamento deles.
Os fatos e relatos noticiados nos fazem lembrar Bateson (1980), quando afirmou que existe uma ecologia das ideias danosas, assim como existe uma ecologia das ervas daninhas. Ao retomar o autor mencionado, pode-se pensar o que está por trás de atitudes como a de pessoas que são incapazes do respeito ao espaço dos outros seres, ficando evidente que em torno dessas atitudes orbita um design mental insustentável.
Para prosseguir a discussão em baila, faz-se imprescindível externar que na hodiernidade fala-se muito em sustentabilidade, mas o conceito social em torno desse vocábulo é superficial ou em linhas cognitivas conceituais clássicas. No geral, as concepções que imperam nos imaginários sociais são aquelas tangentes ao marketing empresarial sustentável com vistas à fidelização dosStakeholders, difundido, muitas vezes, de forma primária, pela mídia a serviço do capital. No máximo, alguns conseguem se libertar desse conceito-propaganda e chegam à noção de sustentabilidade como algo exterior, com relação direta com a preservação da biodiversidade vegetal e animal, sem aprofundamento em torno de como se daria essa tal sustentabilidade ambiental.
O fato é que práticas não ecológicas como as que estão sendo operadas a partir das selfies em vários países precisam ser repensadas, pois elas contribuem para a perda da biodiversidade, quando ocorrem na vertente dos exemplos apresentados. Para mitigar ações insustentáveis em torno dessa prática narcisista em voga na pós-modernidade, faz-se imprescindível o nascimento da Ecologia Mental para uma ecologia da mente.
Somente por meio da Ecologia Mental será possível uma higiene mental em torno da prática das selfies. Acerca da higiene da mente, pode-se recorrer ao que afirma Torán (2014 apud Santana 2016) quando pontua que um ser com higiene mental e, consequentemente, com uma mente ecológica, aceita o desafio de ser consciente das diferentes formações mentais (pensamentos, emoções, imagens e sons mentais, e sensações físicas associadas, que normalmente se cruzam e atuam sem serem reconhecidas, e sem que seja capaz de separá-las em seus diversos componentes). Permanece alerta ante os pensamentos e emoções tóxicas que possam danificar às outras pessoas e a si mesmos. Adquire consciência de que o ego se esconde atrás de todos os conteúdos tóxicos que a própria mente é capaz de gerar e trabalha arduamente para ser consciente disso e não se deixar levar pelas armadilhas. Aceita a oportunidade de responder em vez de reacionar. Ante um estímulo, não se permite responder automaticamente, como se fosse um robô. Torna-se cônscio de que reacionar pode gerar vários danos. Torna-se responsável por responder de uma forma mental e emocionalmente ecológica, com a consciência de que as próprias ações beneficiarão a todos e não somente aos próprios interesses. Assegura-se de que as próprias ações não causarão danos nem a si mesmo nem a ninguém, no presente e no futuro. Aceita a tarefa de trabalhar para o crescimento pessoal, eliminar hábitos negativos e adquirir qualidades que possam beneficiar a todos. Por fim, toma a responsabilidade de dirigir a própria vida, dando-lhe sentido, rumo e valores, criando caminhos que permitam chegar aos objetivos.
A guisa de considerações finais e de reiteração, é possível afirmar que essas práticas narcisistas em torno das selfies são frutos de arquiteturas mentais não sustentáveis. Desta forma, infere-se que a sustentabilidade no planeta só será possível quando houver a sustentabilidade da mente e que na ausência de uma mente sustentável, a sustentabilidade tão sonhada não passará de divagação discursiva. Por último, pode-se colocar que a banalização da vida animal na era das selfies resulta não somente da ausência de políticas educacionais libertárias, mas, também, da banalização do próprio mal, haja vista que na sociedade dos títulos acadêmicos não há a garantia de que todos os seres humanos serão éticos e respeitarão a vida.
BATESON, Gregory. Vers l’êcohgie de l’esprit. Tomo II. Paris, Seuil, 1980.
TORÁN, Félix. Ecologia Mental para Dummies. Barcelona: Grupo Planeta, 2014.
SANTANA, Elissandro dos Santos. Ecologia Mental: uma arma sustentável contra a homofobia e contra a intolerância. Revista Ecodebate, Rio de Janeiro, ISSN 2446-9394,nº 2.547, 14/06/2016.
1 Especialista em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais, especialista em gestão educacional, especialista em linguística e ensino de línguas, especialista em metodologia de ensino de língua espanhola, licenciado em letras, habilitado em línguas estrangeiras modernas, espanhol e membro editorial da Revista Letrando, ISSN 2317-0735.
Contato: lissandrosantana@hotmail.com
2 Especialista em educação de jovens e adultos; especialista em língua portuguesa; licenciado em letras, língua materna e língua inglesa pela Universidade Federal da Bahia. Professor de inglês da Secretaria Estadual de Educação do Estado da Bahia.
[EcoDebate] Em comemoração ao Dia Mundial do Meio Ambiente, 5 de junho, ao que tudo indica, data recomendada pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, realizada em 1972, em Estocolmo, na Suécia, refletir acerca da obra “Primavera Silenciosa” é uma oportunidade para repensar as questões ambientais do mundo atual a partir do cotejo com os problemas ambientais da época de Rachel Carson.
Antes de analisar a obra em baila, é interessante conhecer parte da biografia de Rachel Carson. Ela nasceu no dia 27 de maio de 1907, na Pensilvânia. Com incentivo de sua mãe, começou a publicar os primeiros trabalhos ainda criança na revista literária infantil “Sr. Nicholas”. No ano de 1928, graduou-se pela Universidade para Mulheres da Pensilvânia e, tempo depois, fez mestrado em Biologia Marinha na Universidade Johns Hopkins. Por um curto espaço de tempo, lecionou zoologia na Universidade de Maryland, tendo aceitado, em 1936, um posto de bióloga no Departamento de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos.
Primavera Silenciosa é um clássico que todo ambientalista, pesquisador na área ambiental, ativista social e qualquer cidadão planetário deveria ler. A obra é um convite a reflexões acerca das tristes fábulas de um futuro que não existirá, da obrigação de suportar as dores do amanhã, das mortes anunciadas, dos elixires do fim trágico para todos os seres que habitam a Mãe Terra, Gaia ou Pachamama, do preço pago pela degradação das águas de hoje e de ontem para ausências no amanhã, da degradação dos solos, do desmatamento do manto vegetal responsável pela maior parte do oxigênio de que tanto a humanidade e todos os outros seres animais necessitam para a sobrevivência, da devastação desnecessária em todos os campos pelos quais passou a Terra, do silêncio da vida no porvir, dos rios hoje ainda vivazes e amanhã córregos de morte, do indiscriminado procedente dos céus, dos sonhos dos senhores do capital, do valor real dos modelos econômicos depredatórios da vida, dos caminhos estreitos que nos esperam amanhã, da sobrevivência de poucos, um em cada quatro, da vingança de Gaia ou do revide da natureza, dos ribombos de uma avalancha e da outra estrada que poderíamos ter tomado.
O leitor, à medida que se envereda pelas reflexões que o livro traz, consegue fazer ponte entre os problemas ambientais denunciados por Rachel Carson no que concerne às crises e estresses ambientais pelas quais passavam Os Estados Unidos à época da escrita da obra. No capítulo “Uma fábula para amanhã” há a metáfora da narrativa em torno da terra do ontem e ainda do hoje, para o restante dos humanos que sobrarem no mundo vindouro. Nesse novo mundo que nos espera, a Terra do passado será a história de ninar para as gerações futuras. A biodiversidade de outrora sobreviverá na narrativa dos que tiveram a oportunidade de viver na terra de antes e a geração futura, ao ouvir tais contos, se dará conta do quanto seus pais foram egoístas e não pensaram no futuro. Esse capítulo nos faz lembrar o conceito de sustentabilidade proferido, pela primeira vez, em 1987, na Comissão de Brundtland, no qual o desenvolvimento sustentável/sustentado apareceu como sendo aquele que atenderia às necessidades do ser humano em um presente, sem, com isso, comprometer as possibilidades de as gerações futuras também desfrutarem dos bens naturais dos quais as gerações atuais desfrutam.
No capítulo “A obrigação de suportar”, dentre tantas subjetividades no processo de leitura, o leitor pode ser levado a refletir sobre o peso que terá que carregar em torno das ações insustentáveis na transformação do mundo. No capítulo “Elixires da morte”, a autora apresenta, de forma bastante elucidativa, o preço da manipulação do conhecimento químico para a produção dos pesticidas e outros elementos que contaminaram as nossas comidas e eliminaram os polinizadores da vida. As referidas substâncias entraram não somente nos corpos dos seres humanos, mas de toda a cadeia da vida. No capítulo “Águas de superfícies e Mares subterrâneos” a autora faz uma discussão em torno da importância da água para a manutenção da vida, mas que está sendo poluída e contaminada por pesticidas.
No capítulo “Os Reinos do solo”, a autora discorre sobre a importância dos solos para a agricultura e, consequentemente, para a nossa existência e como estes foram degradados com o impacto do uso dos pesticidas na agricultura. No capítulo “O manto verde da Terra”, a autora afirma que a água, o solo e a cobertura vegetal são os elementos que sustentam a vida animal, mas que isso foi drasticamente comprometido. Ao citar o caso da destruição das plantações de artemísias no Oeste Norte-americano com a substituição por relvados das pradarias, Carson chama a atenção para as interferências do homem na modificação das paisagens e como isso interfere, diretamente, nas cadeias de vida na natureza. No capítulo “Devastação desnecessária”, Carson discorre sobre as ações deprimentes do homem sobre a natureza. Continua pontuando que as destruições que o homem provocou sobre a Terra seriam contra a própria vida e, também, contra a vida de todos os demais seres que habitam o planeta. No capítulo “E nenhum pássaro canta”, ela denuncia a morte dos pássaros e de outros seres responsáveis pela polinização das plantas pelas pulverizações da indústria do agronegócio nos Estados Unidos.
No capítulo “Rios de morte”, a autora traz à tona a questão do uso do DDT para pulverização de florestas ao longo de cursos de água e, com isso, a morte de peixes como o salmão e outros animais nos rios do Noroeste de Miramichi. No capítulo, “Indiscriminadamente, Procedendo dos céus”, a autora discorre sobre o aumento do escopo das pulverizações aéreas e como isso afetou a vida em parte dos Estados Unidos.
No capítulo “Para lá dos sonhos dos Bórgias”, aprofunda a discussão em torno do período que rotula como Idade dos Venenos. No capítulo “O preço humano”, quase que de forma escatológica, discorre sobre os múltiplos problemas ambientais que afetam e afetarão a humanidade em decorrência das ações insustentáveis provocadas pelo próprio ser humano. No capítulo “Através de uma janela estreita”, apresenta as ameaças às heranças genéticas da humanidade a partir de todos os males ambientais causados a Terra. No capítulo “Um em cada quatro”, a autora discorre sobre a parcela da humanidade que sofrerá com doenças como o câncer em decorrência dos déficits socioambientais gerados com o uso dos pesticidas nos Estados Unidos.
No capítulo “A natureza revida”, Carson discorre sobre o fato de que alguns insetos estão se tornando resistentes ao uso dos pulverizadores químicos e, por isso, vários processos estão saindo do controle previsto pelo projeto humano de desenvolvimento da indústria da agricultura da morte. Com a resistência de alguns insetos, outros inseticidas são criados e, consequentemente, ocorre maior poluição e degradação dos espaços nos quais eles são aplicados. No capítulo “Os ribombos de uma avalancha”, a autora denuncia que os insetos menos resistentes estão deixando de existir e aqueles que sobrevivem estão lutando pela existência, haja vista que novos pulverizadores são criados pela indústria química voltada para a agricultura a cada ano. O extermínio desses insetos interfere em toda a cadeia, da flora à fauna. No capítulo “A outra estrada”, a jornalista, de forma otimista, acredita que ainda há tempo para salvar a biodiversidade dos pulverizadores da morte criados pelo bicho homem, mas que tudo dependerá da remodelação da consciência em torno do modus operandi humano de produção nos Estados Unidos e no mundo.
A obra é, por natureza, inter-multi-transdisciplinar, tendo em vista que, à medida que o leitor a desvenda, consegue concatená-la com outras vozes e áreas do conhecimento. Não há como não ler esse livro e não fazer comparações com produções escritas por teóricos como James Lovelock, com “A vingança de Gaia”, Leonardo Boff e seus livros como “Sustentabilidade: o que é, o que não é” e “Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres”, Enrique Leff e sua “Racionalidade ambiental”, Frei Betto e tantos outros pesquisadores e pensadores preocupados com a situação do planeta e, consequentemente, com a continuidade da vida.
Por fim, pode-se dizer que “Primavera Silenciosa” é uma obra que nos leva a pensar não somente as questões ambientais nos Estados Unidos, mas em toda a Terra. Carson, ao longo de toda a obra, discorre sobre o irresponsável envenenamento do mundo que o homem compartilha com todas as outras criaturas.
A obra foi escrita de forma simples, científica e metafórica. A partir do viés literário, a autora prende a atenção do leitor dado à escrita literária e, ao mesmo tempo, de forma científica, apresenta, com precisão, a extinção de aves e outras espécies, causada pelo uso indiscriminado e irresponsável de DDT e das consequências disso na cadeia alimentar geral. A autora descreve, detalhadamente, a ameaça em torno das águias, símbolo dos Estados Unidos, além de apresentar os malefícios dos inseticidas e seus impactos sobre a reprodução humana, mostrando a relação entre o câncer e o uso dos pulverizadores da morte na agricultura.
Elissandro dos Santos Santana: especialista em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais, especialista em gestão educacional, especialista em linguística e ensino de línguas, especialista em metodologia de ensino de língua espanhola, licenciado em letras, habilitado em línguas estrangeiras modernas, espanhol e membro editorial da Revista Letrando, ISSN 2317-0735. Contato: lissandrosantana@hotmail.com
Caminhos para a Sustentabilidade a partir das concepções de Miller e Tyler, artigo de Elissandro dos Santos Santana, Denys Henrique Rodrigues Câmara, Heron Duarte de Almeida e Rosana dos Santos Santana
Caminhos para a Sustentabilidade a partir das concepções de Miller e Tyler
No capítulo “Problemas ambientais, suas causas e a Sustentabilidade”, do livro Ciência Ambiental, Miller e Tyler, para explicarem os déficits ambientais, suas causas geradoras e caminhos para se atingir a Sustentabilidade, por meio de um Estudo de Caso, discorrem sobre a Era Exponencial na qual o sistema mundo vive.
Segundo os referidos autores, o crescimento exponencial é enganoso, pois começa devagar, mas, após duplicar apenas algumas vezes, aumenta para números gigantescos, pois cada duplicação é maior do que o total de todo o crescimento anterior.
Eles afirmam que entre os anos de 1950 e 2005, o número de habitantes do planeta cresceu de 2,5 bilhões para 6,5 bilhões e que se o crescimento populacional seguir essa linha, a Terra, até o fim deste século, alcançará entre 8 e 10 bilhões de pessoas. Que o mundo divide-se entre os que têm e os que não têm e que, apesar do crescimento econômico ter se multiplicado por 8 entre os anos de 1950 e 2005, praticamente, um em cada dois trabalhadores tenta sobreviver com renda inferior a 2 dólares dia. Para prosseguirem a discussão, os autores pontuam que essa pobreza afeta a qualidade ambiental, pois para sobreviverem, muitos pobres exaurem e degradam as florestas, os campos, os solos e a vida selvagem.
Analisando-se o que afirmam Miller e Tyler, anteriormente, é oportuno colocar que essa situação de degradação deve ser atacada na base, nas causas geradoras da febre ambiental, pois a pobreza é fruto de anos de exploração pelos donos do capital que interferem nos sistemas de produção, educação, de crenças, ou seja, nos aportes culturais produtivos das sociedades. Mais importante que visualizar a degradação provocada pela pobreza, é analisar como os ricos destroem o planeta e provocam as injustiças sociais.
O fato é que, conforme apresentam Miller e Tyler, biólogos estimam que as atividades humanas provoquem a extinção prematura das espécies terrestres, à taxa exponencial de 0,1% a 1,0% ao ano, uma perda irreversível da grande variedade de formas de vida, ou biodiversidade da Terra. Em diversas partes do mundo, florestas, campos, áreas úmidas, recifes de corais e superfície do solo de plantações continuam a desaparecer ou são degradas conforme a pegada ecológica humana se espalha exponencialmente por todo o globo.
Ainda, conforme pontuam os dois pesquisadores, o crescimento exponencial gera preocupações, pois, com ele, há o risco de que o referido crescimento com atividades ligadas à queima de combustíveis fósseis e desmatamento de áreas florestais naturais mude a climatologia da Terra neste e nos próximos séculos.
Para os dois autores que dão sustentação à discussão que se faz aqui, há soluções que poderiam ser implantadas para práticas sustentáveis nas relações de produção na Terra.
No tocante às soluções que podem ser implantadas, à luz da complexidade do século XXI, acreditamos que já não é hora de pensar em ações simplistas, mas, no capítulo em baila, realmente, os autores apresentam alternativas viáveis para sanar alguns déficits ambientais provocados a partir dessa arquitetura insustentável na matriz de produção do mundo hodierno.
Abaixo, aparece a curva em J, que Miller e Tyler utilizam para explicar o crescimento exponencial.
O leitor, ao se deparar com as explicações dos dois autores sobre o crescimento exponencial como algo enganoso, tem a oportunidade de refletir sobre questões como:
A vida e a economia do planeta dependem da energia do sol e dos recursos e serviços naturais da Terra;
O mundo está ancorado em um modus operandi não sustentável de produção;
Os principais vetores e causas dos déficits ambientais são: crescimento populacional, desperdício no uso de recursos, pobreza, não valorização do capital natural e ignorância em relação à forma como o planeta funciona;
Há um período curto para a transição de uma lógica de produção insustentável para uma arquitetura sustentável de gerir os recursos da Mãe-Terra.
É possível viver de forma sustentável e, para tanto, mais que nunca, é preciso compreender que a sustentabilidade é a capacidade dos diversos sistemas da terra, incluindo as economias e sistemas culturais humanos, de sobreviverem e se adaptarem às condições ambientais em mudança.
Para Miller e Tyler, para se alcançar a sustentabilidade, faz-se necessário atingir as seguintes etapas:
Conservação do capital natural da Terra
Reconhecer que muitas atividades humanas degradam o capital natural
Para a compreensão dessas etapas, é importante saber quais são os caminhos e soluções para atingir a sustentabilidade e a figura abaixo, apresentada pelos autores na obra Ciência Ambiental, explica, de forma objetiva, o percurso.
Ademais, é necessário conhecer o que o capital natural proporciona à humanidade e a figura abaixo, apresentada pelos dois teóricos, dão conta de explicar o processo.
Segundo os autores, a sustentabilidade implica em dizer que a humanidade precisa sobreviver com a renda biológica sem exaurir ou degradar o capital natural que a fornece. Para eles, uma sociedade sustentável atende às necessidades básicas de recursos da sociedade, mas isso é feito sem degradar ou exaurir o capital natural fornecedor dos recursos.
Referência bibliográfica
MILLER, Jr. TYLER, G. Ciência Ambiental. São Paulo: Cengage Learning, 2012.
1Especialista em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais, especialista em gestão educacional, especialista em linguística e ensino de línguas, especialista em metodologia de ensino de língua espanhola, licenciado em letras, habilitado em línguas estrangeiras modernas, espanhol e membro editorial da Revista Letrando, ISSN 2317-0735.
Contato: lissandrosantana@hotmail.com
2 Especialista em educação de jovens e adultos; especialista em língua portuguesa; licenciado em letras, língua materna e língua inglesa pela Universidade Federal da Bahia. Professor de inglês da Secretaria Estadual de Educação do Estado da Bahia.